ANATEL E LIMITAÇÃO DA BANDA LARGA DE INTERNET NO BRASIL: CASO CLÁSSICO DO EMBATE DOS GRUPOS DE INTERESSE NA REGULAÇÃO SETORIAL
ANATEL AND LIMITATION OF INTERNET BROADBAND IN BRAZIL:
CLASSIC CASE CLASH GROUPS OF INTEREST IN REGULATION
SECTOR
LORENA DE MELO FREITAS Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito – no PPGCJ / UFPB. Professora dedicação exclusiva da UFPB (Adjunta III), ensinando na Graduação e Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito. Representante da Secretaria de Educação Básica do MEC junto à UFPB. Coordenadora do Programa de Apoio ao Dirigente Municipal de Educação na PB e RN. Membro do Comitê Gestor Institucional para Formação Continuada na UFPB. Consultora Ad-hoc da CAPES. Graduada (UNICAP), Mestra e Doutora (UFPE) em Direito. Desenvolve pesquisas voltadas à atividade judicial desde o mestrado quando defendeu Dissertação intitulada?Ideologia e direito: uma pesquisa empírica sobre a Associação Juízes para a Democracia? E no Doutorado com tese sobre a atividade de formação da decisão por juízes e tribunais sob título ?O realismo jurídico como pragmatismo: A retórica da tese realista de que direito é o que os juízes dizem que é direito?. Tem livros publicados e organizou obras coletivas sobre estas temáticas, tendo, para realização de suas atividades fundado o Grupo de Pesquisa ligado ao PPGCJ/UFPB:?Realismo Jurídico?. Participa como pesquisadora de vários grupos de pesquisa (“Marxismo e Direito”, “Pragmatismo Jurídico, Teorias da Justiça e Direitos Humanos” e “Fundamentos e Métodos do Pragmatismo: uma abordagem interdisciplinar dos fenômenos jurídicos”) e tem como foco de pesquisa os seguintes temas: Realismo jurídico, ideologia, retórica, teoria geral, filosofia e sociologia do direito, direito do trabalho. Integra GT Ética e Cidadania da ANPOF. Consultora Ad hoc da Capes.
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LUIZ GUEDES DA LUZ NETO
Mestre em Direito Econômico pela UFPB (2016). Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (2001). Advogado. Como advogado, tem experiência nas seguintes áreas: direito empresarial, registro de marcas, direito administrativo, direito constitucional, direito econômico, direito civil e direito do trabalho. Com experiência e atuação junto aos tribunais superiores.
RESUMO
O artigo analisa os regulamentos expedidos pela ANATEL relacionados à internet fixa, em especial a questão da limitação do serviço. Tal limitação se desdobra com a possibilidade de venda de acesso com franquia e a limitação na velocidade após o uso total da franquia pelo consumidor, ou a cobrança de adicional. O trabalho parte do marco teórico na teoria econômica da regulação de George Stigler, também conhecida como captura, e na teoria do Estado-fato de Léon Duguit. O objetivo é compreender a dinâmica dos grupos de interesse durante a elaboração desta política regulatória pela ANATEL.
PALAVRAS-CHAVE: ANATEL; Grupos de interesse; Regulação.
The article analyzes the internet service (which can be called of “kind fixed”) from the
ANATEL’s regulations, especially the issue of internet service limitation. This limitation as possibility to sell internet using with limitation in speed after the full use of the franchise by the consumer, or additional tax collection.The framework is George Stigler’s Economic Theory of Regulation, also known as capture, and Léon Duguit’s State-fact theory. The aim is to understand the dynamics of the interests groups for the development of regulatory policy by ANATEL.
KEYWORDS: ANATEL; Interests groups; Regulation.
INTRODUÇÃO
Em abril de 2016 os usuários de internet fixa banda larga foram surpreendidos com a notícia de que a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL teria autorizado as companhias prestadoras do serviço de limitar os planos já ofertados no mercado, o que gerou um movimento surpreendente e intenso nas redes sociais, inclusive com a organizações de usuários em torno da formulação de abaixoassinados virtuais com milhares de assinatura. A resposta dos usuários à iminente limitação da banda larga fixa de internet alcançou tantas pessoas em vários pontos do país, que utilizaram a própria internet para se mobilizar, que os diretores da referida agência modificaram, por ora, a sua posição, suspendendo e impedindo que as empresas prestadoras dos serviços adotassem de imediato tais medidas limitadoras.
A ANATEL informa que houve consultas públicas sobre a matéria e que ninguém teria se manifestado contra tal medida, tendo espaço naquela agência os usuários para se manifestar, apresentando propostas. Porém, segundo informações da própria agência reguladora, apontam para a não participação efetiva do grupo dos usuários.
Pretende-se, com esse artigo, verificar o seguinte problema de pesquisa: o que leva a ANATEL, que foi conformada para buscar o interesse público através da regulação setorial, a adotar limitações à internet fixa de banda larga, prática essa que privilegia demasiadamente as empresas reguladas em detrimento dos interesses dos usuários e consumidores? Para tentar responder ao mencionado problema de pesquisa, propõe-se a seguinte hipótese: não obstante a agência reguladora ter sido criada no momento de reforma do Estado ocorrida na década de 1990, com a estruturação de tais autarquias especiais de direção composta de técnicos na área de atuação da agência, que, em tese, estariam menos sujeitos às influências políticas do que os membros do Legislativo e do Executivo, que são políticos de carreira em sua maioria, a regulação costuma atender às demandas do grupo de interesse que detém maior poder político e/ou econômico.
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Com a confrontação dos dados disponibilizados pela ANATEL em seu sítio eletrônico com os marcos teóricos apresentados, objetiva-se, com o presente trabalho, traçar um panorama sobre o embate das forças políticas e econômicas envolvidas no processo da regulação econômica realizada pelas agências reguladoras, e, em especial, pela Agência Nacional de Telecomunicações.
Os objetivos deste trabalho serão divididos em duas classes: objetivo geral e objetivos específicos. O objetivo geral consiste em verificar se a regulação realizada pela ANATEL, a exemplo das outras agências reguladoras, sofre influência de poder político/econômico, apesar da sua estrutura ter sido colmatada para garantir a realização de uma regulação técnica.
Os objetivos específicos são: analisar as resoluções, despachos e demais documentos expedidos pela referida agência reguladora que versa sobre a internet fixa; verificar a legislação aplicável ao tema; analisar o caso sob a perspectiva dos marcos teóricos propostos neste estudo.
A metodologia adotada será a descritiva, com a análise ontológica da realidade da regulação da ANATEL, cuja dinâmica, nos aspectos gerais, dos grupos de pressão, é idêntica à ocorrida nas demais agência reguladoras, com pesquisa bibliográfica, documental, da legislação, de informações contidas nos sítios eletrônicos da própria agência e de outras publicações nacionais e internacionais, buscando confrontar as teorias da captura econômica de George J. Stigler e a do Estado-fato de León Duguit com a realidade dos fatos ocorridos na ANATEL em relação à limitação da banda larga fixa.
O problema de pesquisa proposto neste artigo é o seguinte: o que leva a ANATEL, que foi conformada/formatada para buscar o interesse público através da regulação setorial, a adotar limitações à internet fixa de banda larga, prática essa que privilegia demasiadamente as empresas reguladas em detrimento dos interesses dos usuários e consumidores?
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- DO CASO DA LIMITAÇÃO AUTORIZADA PELA ANATEL NO USO DA BANDA LARGA FIXA DE INTERNET
Conforme dito acima, no mês de abril de 2016, a ANATEL divulgou a existência de dispositivo legal que autoriza as empresas prestadoras do serviço de acesso à internet a limitar o acesso dos seus clientes quando eles ultrapassem a franquia mensal. A notícia apresentada ao público indicada que a era da internet ilimitada havia chegado ao fim, sugerindo que todos os usuários seriam atingidos pela medida, independentemente de ter contrato antigo ou novo.
Interessante frisar que a modalidade de contrato de prestação de serviços de banda larga ilimitada era o apelo publicitário das empresas reguladas para atrair clientela, afirmando que além da boa qualidade dos serviços, os clientes podiam navegar na internet sem limitação, aproveitando ao máximo os recursos disponíveis na rede mundial de computadores. Diante dessa não limitação do volume de dados mensais, serviços proliferaram-se, a exemplo de serviços de streaming de vídeos e músicas, jogos de vídeo game em rede entre jogadores de qualquer ponto do globo terrestre, serviços de ensino à distância, entre vários outros serviços e produtos que a inventividade humana possa criar.
Com a mudança do modelo de internet fixa de banda larga, vários modelos de negócios se viram ameaçados, pois os seus custos operacionais sofrerão um acréscimo com o impacto negativo da limitação do volume de tráfego de dados através da banda larga.
O Presidente da ANATEL, o Sr. João Rezende, afirmou claramente, em 18 de abril de 2016, que a “Era da banda larga ilimitada” teria chegado ao fim no Brasil, e que os usuários e consumidores teriam de se acostumar à nova realidade (FOLHA, 2016).
Os usuários e consumidores reagiram de forma enérgica e imediata ao anúncio do presidente da autarquia especial aludida e a ANATEL reformulou o seu discurso, informando, através do despacho do Superintendente de Relações com Consumidores n.º 1/2016/SEI/SRC, que determinava à empresas relacionadas no documento, de forma cautelar, que se abstivessem de “[…]adotar, no âmbito das
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ofertas comerciais do Serviço de Comunicação Multimídia – SCM (banda larga fixa), práticas de redução de velocidade, suspensão de serviço ou de cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia, ainda que tais ações encontrem previsão em contrato de adesão ou em plano de serviço[…]” (ANATEL, 2016, p. 79-80). Tal cautelar fixava o seguinte no art. 1º, parágrafo único: “Parágrafo único. As práticas referidas no caput somente poderão ser adotadas após 90 (noventa) dias da publicação de ato da Superintendência que reconheça o cumprimento das condições fixadas no presente artigo” (ANATEL, 2016, p. 80).
Esse é o caso paradigma para a verificação dos marcos teóricos propostos no sentido de confirmar, ou não, a hipótese apresentada no início deste artigo.
- DO RECONHECIMENTO, PELO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO, DA RELEVÂNCIA DO ACESSO À INTERNET PELOS CONSUMIDORES
Na era da informação, o acesso à mesma é de fundamental relevância para o desenvolvimento pessoal e profissional das pessoas, bem como para o desenvolvimento das empresas. É impensável nos dias atuais não se ter acesso à informação. E um dos canais mais utilizados para o referido acesso é a internet, ou rede mundial de computadores, que encurtou distâncias, tornou acessível dados a um grande número de pessoas e entidades antes acessíveis a poucos, possibilitou a criação de novos modelos de negócios, envio de comunicações pessoas e institucionais, entre uma gama praticamente ilimitada de novas utilizações que o intelecto humano possa imaginar. Informação divulgada pela ANATEL (2016) em seu sítio eletrônico, assevera que há 25,8 milhões de acesso de banda larga fixa em março de 2016, número esse que cresceu rapidamente nos últimos anos.
Tal a importância da internet para os cidadãos, para as empresas e para o desenvolvimento do país, que foi publicada a Lei n.º 12.965, de 23 de abril de 2014, estabelecendo princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. O art. 4º da referida legislação prevê, no inciso I, a promoção do direito de acesso à rede a todos; no inciso II estabelece a promoção do acesso à informação, ao
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conhecimento e à participação na vida cultural e na condução dos assuntos públicos; no inciso III trata da inovação e do fomento à ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e de acesso; e, finalmente, no inciso IV, a adesão a padrões tecnológicos abertos que permitam a comunicação, acessibilidade e interoperabilidade entre aplicações e base de dados.
Mais adiante, no art. 7º, da Lei n.º 12.965/2014, o caput é bastante representativo da importância do acesso à internet para o exercício da cidadania. Interessante a transcrição do art. 7º, caput, e alguns incisos mais relevantes ao objeto do presente texto. Eis a dicção legal:
Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
[…]
VI – informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços, com detalhamento sobre o regime de proteção aos registros de conexão e aos registros de acesso a aplicações de internet, bem como sobre práticas de gerenciamento da rede que possam afetar sua qualidade; XIII – aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet.
A Agência Nacional de Telecomunicações editou e publicou a Resolução n.º 632/2014, que contém o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações – RGC, especificando no art. 1º, caput, que o objetivo do regulamento é estabelecer regras sobre o atendimento, cobrança e oferta de serviços relativos ao Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC, ao Serviço Móvel Pessoal – SMP, ao Serviço de Comunicação Multimídea – SCM e aos Serviços de Televisão por Assinatura.
No art. 2º, inciso I, apresenta a definição de consumidor, que será assim considerado: “Consumidor: pessoa natural ou jurídica que utiliza serviço de telecomunicações de interesse coletivo, independentemente de contrato de prestação de serviço ou inscrição junto à Prestadora, na forma do disposto no art. 2º da Lei nº
8.078, de 11 de setembro de 1990”.
Conforme expressa previsão no Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações, consumidor é a pessoa natural e a jurídica,
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remetendo para o conceito contido no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor: “Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
Ainda no RGC, no art. 22, inciso VIII, há previsão expressa de que o consumidor, no espaço reservado ao atendimento, deve ter, no mínimo, dentre outras informações, o acesso a recurso que lhe possibilite o acompanhamento adequado do uso do serviço contratado, durante o uso do mesmo. Tal dispositivo foi mencionado no despacho nº 1/2016/SEI/SRC da ANATEL (2016, p. 79-89), que suspendeu a possibilidade de cobrança de adicional de uso, ou de suspensão ou diminuição da velocidade da banda larga quando o consumidor ultrapassasse a franquia contratada, até que as companhias fornecedoras disponibilizassem tal meio aos seus usuários. Algum tempo depois, ainda em razão da repercussão dos consumidores nas redes sociais, a agência suspendeu a possibilidade de limitação da internet fixa por prazo indeterminado.
Mesmo reconhecendo a importância do acesso amplo à internet pelos consumidores pessoa natural ou jurídica, o ordenamento jurídico brasileiro permite às empresas fornecedoras do serviço SCM fixar franquias mensais de consumo, limitando, desta forma, o volume de uso de tráfico, permitindo, ainda, em caso de ultrapassagem no uso da franquia mensal, múltiplas opções à operadora: cobrança de adicional, diminuição da velocidade de tráfego ou a suspensão do uso durante o período de tempo restante da franquia consumida.
Não obstante essa possibilidade de limitação estar prevista na Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013, a temática só veio ao conhecimento público efetivo em abril de 2016, quando o presidente da autarquia especial manifestou-se a respeito para o grande público, causando, além de uma enorme surpresa, um sentimento de indignação do consumidor, em especial da pessoa física. Esse é um fato importante a demonstrar, que não há a efetiva participação dos consumidores nas etapas de formulação da política regulatória da ANATEL, mesmo quando há entidades que se apresentam como defensoras dos interesses dos consumidores.
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Na proposta do RGC que foi submetida à Consulta Pública nº 45, de 8 de agosto de 2011, que ficou aberta ao público durante o período de xx a xx, no art. 82, inciso III e § 1º, incisos I e II, do anexo I, tinha a seguinte redação:
Art. 82. O Plano de Serviço deve conter, no mínimo, as seguintes características:
I – velocidade máxima e mínima disponível no endereço contratado, para os fluxos de comunicação originado e terminado no terminal do Assinante, respeitados os critérios estabelecidos em regulamentação específica; II – valor da mensalidade e critérios de cobrança; e III – franquia de consumo, quando aplicável.
§ 1º O Plano de Serviço que contemplar franquia de consumo deve assegurar ao Assinante, após o consumo integral da franquia contratada, a continuidade da prestação do serviço, mediante:
I – pagamento adicional pelo consumo excedente, mantidas as demais condições de prestação do serviço; ou
II – redução da velocidade contratada, sem cobrança adicional pelo consumo excedente.
§ 2º Na hipótese do inciso II do § 1º deste artigo, deve ser assegurada velocidade não inferior a cinquenta por cento da inicialmente contratada, para os fluxos de comunicação originado e terminado no terminal do Assinante.
§ 3º A Prestadora que ofertar Plano de Serviço com franquia de consumo deve tornar disponível ao Assinante sistema para verificação, gratuita em tempo real, do consumo incorrido (ANATEL, 2011).
Após o período da consulta pública, a redação original restou inalterada no que conserte ao espírito do regulador, que foi permitir a venda de serviços com franquia de consumo e a possibilidade de limitação do acesso do usuário quando ultrapasse tal franquia oferendo ao usuário o seguinte: a) ou o pagamento de adicional pelo consumo excedente, com a manutenção das demais condições da prestação do serviço; ou, b) a redução da velocidade pactuada, porém sem a cobrança do adicional. Garantia, ainda, o texto apresentado para a Consulta Pública nº45/2011, que a redução da velocidade da banda, quando fosse ultrapassada a franquia, não deveria ser inferior a 50% (cinquenta por cento) da contratada.
Após o encerramento do período da Consulta Pública 45/2011, foi expedida a Resolução nº 614/2013, com o seguinte texto aprovado pelo órgão regulador:
Art. 63. O Plano de Serviço deve conter, no mínimo, as seguintes características:
I – velocidade máxima , tanto de download quanto de upload, disponível no endereço contratado, para os fluxos de
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comunicação originado e terminado no terminal do Assinante, respeitados os critérios estabelecidos em regulamentação específica;
II – valor da mensalidade e critérios de cobrança; e, III – franquia de consumo, quando aplicável.
§ 1º O Plano de Serviço que contemplar franquia de consumo deve assegurar ao Assinante, após o consumo integral da franquia contratada, a continuidade da prestação do serviço, mediante:
I – pagamento adicional pelo consumo excedente, mantidas as demais condições de prestação do serviço; ou,
II – redução da velocidade contratada, sem cobrança adicional pelo consumo excedente.
§ 2º A Prestadora que ofertar Plano de Serviço com franquia de consumo deve tornar disponível ao Assinante sistema para verificação, gratuita e em tempo real, do consumo incorrido. (Revogado pela Resolução nº 632, de 7 de março de 2014)
§ 3º As prestadoras de SCM devem, em seus Planos de Serviços e em todos os demais documentos relacionados às ofertas, informar a(s) velocidade(s) máxima(s), tanto de download quanto de upload, de maneira clara, adequada e de fácil visualização, bem como as demais condições de uso, como franquias, eventuais reduções desta(s) velocidade(s) e valores a serem cobrados pelo tráfego excedente (ANATEL, 2013).
Eis acima o texto final publicado da Resolução nº 314/2013, versando sobre a matéria contida no art. 82 da Consulta Pública nº 45/2011. Constata-se que houve modificação no texto de forma desfavorável ao consumidor. Quando da aludida consulta pública, quando o plano tivesse franquia, a redução da velocidade não poderia ser superior a 50% (cinquenta por cento), o texto final da Resolução n.º 314/2013, no art. 63, silencia a respeito. Manteve a possibilidade de redução na velocidade, mantendo a alternativa de redução da velocidade contratada ou a manutenção da velocidade contratada mediante pagamento de adicional. Ademais, interessante notar que o §2º, do art. 63, previa inicialmente, o direito do usuário/consumidor de ter acesso a mecanismo de verificação, em tempo real, do consumo. Previsão essa revogada pela Resolução 632/2014, prejudicando o direito do consumidor de acesso à informação clara e precisa sobre o serviço que está consumindo, infringindo, portanto, tal revogação, o art. 6º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: […] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
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Constata-se, pela comparação do texto da Consulta Pública nº 45/2011 e o texto final da Resolução nº 614/2013, indícios de captura regulatória em favor das empresas reguladas, que conseguiram, com a sua atuação junto à agência, através do lobby, dentro da arena de debate e discussões legais, influenciar o regulador a elaborar regulação que garantisse seus interesses. Tal conclusão vai no sentido da crítica ao processo como antidemocrático, nas palavras de Stigler: “The democratic decision process must envolve “all” the community, not simply those who are directly concerned with a decision” (STIGLER, 2016, p. 9)
Em março de 2016, o número oficial de acessos ao SCM estava na casa dos 25,8 milhões, porém, não obstante o elevado número de acessos, que cresceu exponencialmente nos últimos anos, a efetiva participação desse grupo relevante, os usuários/consumidores, é pequena e pouco eficiente, não participando efetivamente das etapas da formulação da política regulatória do setor de telecomunicações. Esse fato não é de difícil explicação, pois o custo da participação nas audiências nas consultas públicas realizadas pela ANATEL para o consumidor comum é elevado e difícil, pois exige, além de disponibilidade de tempo para se dedicar ao estudo da matéria, demanda recursos materiais e de conhecimento técnico sobre a matéria a ser regulada.
- A TEORIA ECONÔMICA DA REGULAÇÃO DE GEORGE J. STIGLER E A TEORIA DO ESTADO-FATO DE LÉON DUGUIT COMO MARCOS TEÓRICOS PARA A EXPLICAÇÃO DA DINÂMICA DAS FORÇAS DOS GRUPOS DE INTERESSE NAS AGÊNCIAS REGULADORAS
Neste artigo científico, no escopo de responder ao problema de pesquisa proposto, qual seja, o que leva a ANATEL, que foi conformada para buscar o interesse público através da regulação setorial, a adotar limitações à internet fixa de banda larga, prática essa que privilegia demasiadamente as empresas reguladas em detrimento dos interesses dos usuários e consumidores?
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Não obstante as agências reguladoras terem sido apresentadas como a panaceia para todos os males da regulação ineficiente e capturada realizada pelos Poderes Legislativo e Executivo, que não garantia uma regulação eficiente e eficaz na promoção de oferta de serviços públicos de qualidade e a preço mais baixos aos usuários, a realidade demonstrou que tais agências não eram capazes de garantir o bem comum, em encontrar o equilíbrio entre os interesses dos regulados e da sociedade.
Consoante a teoria econômica da regulação, ou teoria econômica da captura, desenvolvida pelo norte-americano George J. Stigler, analisando dados do setor de transporte ferroviário, constatou-se que a regulação estatal não atendia ao interesse público, apesar da agência estudada ter sido criada para tanto. Ao contrário, de acordo com a análise dos dados, Stigler chegou à conclusão de que as agências reguladoras foram criadas para atender às demandas do setor regulado (STIGLER, 2016, p. 12). A regulação estatal através das agências reguladoras na verdade conferia segurança aos entes econômicos regulados, pois, esses entes, através da sua influência política e/ou econômica, utilizam-se do Estado, único detentor legítimo da força, para a expedição de normas cogentes com vigência em todo o território nacional. Assim, para Stigler (2004, p. 27), “[…] toda a indústria ou toda ocupação que tem poder político suficiente para utilizar o Estado procurará controlar o acesso à entrada”. Nesse ponto, o economista estava se referindo às barreiras criadas pela regulação da agência para a entrada de novos concorrentes no mercado no qual as empresas reguladas já atuavam, conferindo, desta forma, segurança em relação ao número de competidores, pois dificuldades foram criadas para o ingresso de novos concorrentes, o que iria alterar o equilíbrio de forças equalizado pela regulação, sendo, portanto, a regulação, uma garantia contra nova concorrência no mercado. Como sintetizado por Luz Neto (2016, p. 61),
A teoria econômica da regulação, desenvolvida por George Stigler, sustenta que a regulação realizada pelas Agências Reguladoras é uma demanda da indústria regulada, já nascendo, em regra, capturada pelo setor regulado, que, através da regulação, garante os seus interesses contra concorrentes, assegurando o seu local no mercado e o retorno dos seus investimentos.
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De acordo com a teoria supramencionada, as empresas reguladas demandam a regulação, pois ela costuma ser benéfica para o setor. Porém, essa teoria, por si só, não explica como ocorre a dinâmica do poder de influência dos grupos de pressão na arena denominada de Agência Reguladora. Para tanto, Léon Duguit (2004, p. 47-48) construiu a teoria de que, independentemente do tipo de Estado, seja ele primitivo ou desenvolvido, o fato comum na dinâmica das forças de poder é idêntico, isto é, o grupo composto por indivíduos mais fortes impõe a sal vontade aos demais, com menor força ou nenhuma força de influência no Estado.
Assim, o poder político é a manifestação e imposição da vontade do grupo de interesse mais forte sobre o mais fraco, inclusive com a imposição de sanções a este último, em caso de oposição ou descumprimento da norma.
Desde o advento do Direito, mormente no Estado moderno, a força do grupo de interesse por si mesma não é revestida de legitimidade, pois só o Estado detém a titularidade e a legitimidade do uso da força, da violência, contra os seus súditos. Diante disso, a vontade dos denominados grupos mais fortes, de acordo com a terminologia empregada por Duguit, deve ser inserida na norma jurídica, com o uso do direito para expedir normas através do Estado. No caso do presente estudo, a arena na qual se realiza esse fenômeno é a Agência Nacional de Telecomunicações. Frise-se que tal dinâmica não é privilégio da ANATEL, havendo indícios nas demais agências, pois é comum e natural em uma sociedade democrática, a movimentação de grupos de interesse junto aos órgãos reguladores, através do fenômeno do lobby. O lobby é a exteriorização da organização dos grupos de interesse em busca da regulação que melhor atenda aos seus interesses. Por si só, o lobby não deve ser classificado como algo espúrio, pois, conforme todo instrumento de atuação política, vai depender do uso que se faz dele, não devendo, ainda, ser confundido com atos criminosos, apesar do senso comum no Brasil afirmar o contrário.
Para compatibilizar a sua teoria com a noção clássica de que o Estado detém personalidade jurídica, e, por isso mesmo, agiria em nome próprio, Duguit (2004, p. 60-61) cria a noção de Estado-fato, em contraposição à ideia de Estado-pessoa, e assim leciona:
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[…] o Estado não deve conceber-se como uma coletividade personificada, investida num poder soberano que ordena; mas é fato que numa coletividade determinada há uma diferenciação tal que o grupo dos mais fortes formula o direito, sanciona e fiscaliza os serviços públicos. […] Estado; […] essa palavra designa não aquela pretensa pessoa, coletiva e soberana que é um simples fantasma, mas os homens reais que de fato possuem a força.
Pela teoria de Duguit sobre Estado, este não é a coletividade personificada, dotada de um poder soberano que ordena, mas uma ficção jurídica, isto é, é uma coletividade determinada pelo grupo dos mais fortes que formula o direito, que sanciona e fiscaliza os serviços públicos, com os homens reais que detém a força política, mas no geral política e econômica concomitantemente, utilizando do Estado para expedir as normas cogentes em defesa dos seus interesses.
Importante, dentre os conceitos trabalhados neste trabalho, o de lobbying. Na definição de Loddi (1986, p.3), é:
[…] a ação de influenciar sobre o tomador de decisão na esfera do poder público. A atuação persuasora obre o poder político. O esforço para influenciar, a tentativa de, a ação para. Por extensão, pode-se chamar de lobby também o grupo de pessoas que exerce essa influência, ou o mecanismo de pressão ou de representação junto ao poder público.
Eis, pois, o conceito de lobby adotado no presente artigo, qual seja, a forma de organização legítima de grupos de interesse, que atuam de forma organizada e profissional, junto ao regulador, para tentar influenciar o regulador a expedir normas que favoreçam ou garantam os seus interesses, dentro do jogo de forças existentes nas sociedades democráticas.
Pelo exposto acima pelas duas teorias, a da teoria econômica da regulação de Stigler, em conjunto com a teoria do Estado-fato de Duguit, nas Agências Reguladoras há o embate entre os diversos grupos interessados, em são, em síntese, em um modelo básico, os que representam as empresas reguladas e os dos consumidores. Isso não quer dizer que não possa haver outros grupos de interesses, pois, conforme também explicado por Stigler, a regulação comporta outsiders fortes, que podem influenciar também a regulação, a exemplo de políticos profissionais, ou partidos políticos, que buscam influenciar o agente regulador no sentido de implementar pontos
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na regulação que possam atender à sua base eleitoral, mesmo que em áreas comercialmente irrelevantes ou de baixa densidade populacional.
Assim, os grupos de interesse que buscam determinar o conteúdo da regulação, têm, nas agências reguladoras, a arena na qual irão atuar através do processo de lobbying no intuito de incorporar, na regulação, medidas que protejam os seus respectivos interesses. E, pelo conjugação das duas teorias acima expostas, a tendência das Agências Reguladoras é incorporar as sugestões de regulação apresentadas pelos grupos econômicos, ou seja, pelas empresas ou corporações reguladas, já que, além das agências terem sido criadas para proteger os interesses dos agentes regulados, esses possuem maior capacidade de organização para participar das audiências públicas realizadas durante o processo de elaboração da norma reguladora.
CONCLUSÃO
Analisando os dados colhidos nos sítios eletrônicos da Agência Nacional de Telecomunicações, de alguns jornais eletrônicos, da legislação aplicável à espécie, bem como despacho nº 1/2016/SEI/SRC e resoluções da agência, constata-se que o ordenamento jurídico, ao regular o serviço de SCM, conhecido popularmente como internet fixa banda larga, reconhece a importância de tal serviço para os consumidores e para o desenvolvimento da nação. Porém, tal reconhecimento não significa a necessária tomada de posição da ANATEL em favor dos consumidores e do dito desenvolvimento nacional.
Diante disso, a proposta deste trabalho é a de responder ao seguinte problema de pesquisa: o que leva a ANATEL, que foi conformada para buscar o interesse público através da regulação setorial, a adotar limitações à internet fixa de banda larga, prática essa que privilegia demasiadamente as empresas reguladas em detrimento dos interesses dos usuários e consumidores?
A hipótese inicialmente formulada, é a seguinte: não obstante a agência reguladora ter sido criada no momento de reforma do Estado ocorrida na década de 1990, com a estruturação de tais autarquias especiais de direção composta de
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técnicos na área de atuação da agência, que, em tese, estariam menos sujeitos às influências políticas do que os membros do Legislativo e do Executivo, que são políticos de carreira em sua maioria, a regulação costuma atender às demandas do grupo de interesse que detém maior poder político e/ou econômico.
Os principais grupos que estariam legitimados a atuar junto à ANATEL no processo de formulação da política regulatória setorial, são o que representa as empresas reguladas e o que representa os consumidores. Conforme visto acima, há uma maior participação do grupo das empresas reguladas, que, de forma legítima, defendem os seus interesses junto ao regulador. O grupo representado pelos consumidores também participa, porém em menor número, com menor número de propostas apresentadas. Constatou-se, ainda, que do total das propostas apresentadas pelos grupos ao longo dos últimos anos, houve uma aceitação maior das propostas advindas do grupo das empresas reguladas do que as oriundas do grupo dos consumidores. Isso demonstra que o grupo com maior poder político e/ou econômico, de acordo com os marcos teóricos adotados neste trabalho, conseguem determinar o conteúdo da regulação, sendo, na verdade, a agência reguladora, uma arena mais propensa a aceitar as propostas do grupo com maior poder político de influência, independente da questão técnica envolvida, verificando-se, por conseguinte, a validade da hipótese apresentada.
Para corroborar a tese exposta na hipótese, quando a notícia da limitação dos serviços de SCM foi amplamente divulgada na mídia brasileira em abril de 2016, com desencadeamento de reação forte dos consumidores do serviço, a ANATEL, através do despacho nº 1/2016/SEI/SRC, suspendeu a possibilidade de limitação do mencionado serviço, comprovando que a pressão advinda do grupo dos consumidores foi capaz de alterar, em tese, a postura da agência sobre a matéria, matéria essa já acatada pela agência reguladora diante dos pleitos das empresas prestadoras do serviço de SCM. A pressão do grupo, se bem canalizada e organizada através de movimento de lobby junto à ANATEL, pode alterar a regulação, se não totalmente, pelo menos em parte, corroborando, desta forma, mais uma vez, a hipótese do presente trabalho.
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Mister, em matérias de relevância para os cidadãos e empresas (clientes dos serviços prestados pelas companhias reguladas) com atuação no território nacional, que o mecanismo de participação dos grupos de interesse seja reavaliado para permitir uma participação mais efetiva e mais eficaz na formulação da política regulatória, pois o caso da limitação dos serviços de SCM demonstrou que o modelo atual não permite a participação efetiva, eficaz e representativa de todos os grupos, parecendo privilegiar, tal modelo, as empresas reguladas, em detrimento do interesse dos demais grupos.
Se a real intenção da ANATEL for de regular os serviços de telecomunicações de maneira a atender ao interesse público, ao bem comum, deve, a partir do caso analisado neste artigo, que obteve grande repercussão nacional, reformular os mecanismos de participação dos diversos grupos de interesse, para que, de forma democrática e transparente, todos possam ser ouvidos e que, dentro de um critério objetivo que possa vir a ser criado, diminuindo, desta forma o subjetivismo nas decisões da autarquia, com o objetivo de propiciar a feitura de uma regulação com maior probabilidade de atender aos propósitos de sua criação, isto é, a fiscalização e regulação dos serviços de telecomunicações em prol do bem comum e do desenvolvimento nacional.
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P.S.: Artigo publicado na Revista Jurídica da Unicuritiba, vol. 04, nº 45, Curitiba, pp. 227-244, DOI 10.6084/m9.figshare.4768144, em 2016.