Tenho observado, após os primeiros dias do desastre ocorrido no Rio Grande do Sul, vozes[1], sobretudo de outros Estados da federação, ressurgindo em coro e apresentando como solução para as ditas fake news a regulação da internet, mais precisamente das redes sociais. As vozes que ecoam a necessidade da aludida regulação afirmam que as notícias consideradas, por elas, mentirosas, atrapalham o esforço no resgate das vítimas. Além de mencionar a necessidade regulatória, enfatizam que tal regulação precisa ser feita imediatamente.
Preocupa-me o apelo à emoção para tratar de assunto sensível e importante para a sociedade civil. A emoção faz parte do nosso dia a dia, porém não devemos agir baseados apenas nela. Devemos, sobretudo, agirmos de forma racional, tanto como indivíduo, quanto como sociedade. E a razão orienta a analisar os fatos e as circunstâncias com cautela, observando detidamente os prós e os contras de qualquer proposta de lei. E, em relação à eventual proposta de lei sobre a limitação do direito fundamental de expressão do pensamento e/ou dos fatos, o cuidado deve ser redobrado, pois corre-se o risco de criação de monopólio na transmissão das notícias. E isso não é desejável para a sociedade que pretende permanecer democrática.
Apesar da grande maioria utilizar a internet diariamente, pouquíssimos conseguem constatar a grande utilidade desse instrumento como facilitador na troca de informações entre as pessoas. Através dessa rede, milhões de pessoas trocam mensagens diariamente e têm acesso às notícias de várias partes do mundo de forma descentralizada e distribuída, sem depender exclusivamente das tradicionais redes de comunicação (televisão e rádio). Quantos canais de televisão aberta tem o Brasil? Lembro-me de uns quatro apenas. Quantos blogs, canais do Youtube, perfis no X.com, Instagram, há? Milhares, e a cada momento podem surgir vários outros.
Quantas realidades só nos chegam porque alguém, possuindo um simples celular nas mãos, dispõe-se a registrar os fatos e a transmiti-los na internet para quem quiser ver? Milhares. Antes da internet, e mormente das redes sociais, só tínhamos acesso aos fatos e às realidades após a filtragem dos canais tradicionais de comunicação. O que você prefere, a primeira ou a segunda situação?
Em relação à resposta estatal ao desastre ocorrido no Rio Grande do Sul, não foram as notícias divulgadas pelas redes sociais que causaram a dificuldade na resposta estatal, mas sim a falta[2] de coordenação prévia do aparato estatal, nas três esferas. A internet apenas desvelou o acontecimento e as pessoas puderam tomar conhecimento da realidade daqueles locais, mesmo morando longe. A rede mundial de computadores também permitiu que as pessoas diretamente atingidas pelo evento pudessem expressar as suas dores e os seus pedidos de socorro, que, sem a internet, permaneceriam inaudíveis, ou as ondas de som desses pedidos sofreriam refração nos meios oficiais e chegariam modificados aos ouvintes finais.
Se você pretende continuar tendo uma certa liberdade de expressão na internet, que pode ser considerada a ágora do Século XXI, pense bem antes de aderir ao movimento de manada que conclama uma regulação restritiva das redes sociais e demais plataformas hospedadas na internet. É importante saber compreender bem as palavras proferidas nos brados por regulação das mídias digitais. Regular não significa necessariamente impedir o cometimento de crimes, mas sim a limitação da liberdade de expressão das pessoas, inclusive daquelas que não cometeram crime.
A legislação já pune quem comete crimes na internet, não necessitando de mais normas para tanto. Então, pense bem, se já há legislação para punir quem colete ilícitos penais e civis através da internet, então, para que a insistência na regulação das redes sociais? Sei que você, leitor, é uma pessoa inteligente, mas, mesmo assim, direi para que serviria uma regulação das mídias digitais: para limitar a pouca liberdade de expressão que eu e você temos.
O melhor ambiente para se combater inverdades, ou, conforme expressão da moda, fake news, é a livre circulação de notícias. Com o livre trânsito dessas, os fatos verdadeiros, quando confrontados, acabam prevalecendo no “mercado” das trocas voluntárias de notícias[3] realizado entre as pessoas. Limitar ou proibir a divulgação não ajuda na busca da verdade, mas favorece aquele que for escolhido, pela lei, como fonte oficial de veiculação de “notícias” e o ente ou entidade beneficiada pela aludida “notícia”. Lei essa que será fruto do poder de pressão de quem de fato detém o poder. E parece que o poder emana do povo apenas na letra fria da Constituição brasileira, sem encontrar amparo na realidade factual.
Se você estiver pensando agora em como ficará a pessoa que, de forma intencional, cria e propala inverdades, não se preocupe. Já há instrumentos legais para essa pessoa responder pelos ilícitos, tanto na esfera penal quanto na cível. Quem se sentir prejudicado por alguma publicação, poderá, através de processo judicial, com garantia ao contraditório e à ampla defesa, pleitear a remoção da publicação e a reparação dos danos.
Desta forma, precisamos ter cuidado para não estarmos agindo sob o efeito manada e pedindo por algo que possa resultar em um instrumento de controle e de diminuição da nossa liberdade de expressão, sob a promessa de combate às fake news. A liberdade de expressão, uma vez perdida, é muito difícil de recuperar. Não se esqueça disso antes de cogitar em aderir a algum movimento regulatório da liberdade de expressão.
[1] Autoridades públicas e integrantes da imprensa.
[2] Ou coordenação ineficiente.
[3] Envio e recebimento de notícias/informação sobre fatos.