Banco Safra pede penhora de Bitcoin em processo judicial: isso é possível?

            Foi publicada uma notícia interessante que envolve processo judicial e Bitcoin. O Banco Safra, em um processo judicial, requereu o bloqueio dos Bitcoins do devedor. Pedido esse que foi indeferido porque a Juíza do caso fundamentou que se tratava de uma tarefa impossível de ser realizada, pois a transferência dos Bitcoins da carteira do devedor para uma carteira à disposição do Juízo dependeria exclusivamente da boa vontade do devedor.

            O pedido formulado pelo Safra demonstra o grau de ignorância sobre o funcionamento do Bitcoin de grande parte dos profissionais do Direito. Muitos pensam que há uma entidade central que controla a rede Bitcoin, à qual pode ser dirigida uma ordem judicial de penhora. Nós, profissionais do Direito, fomos treinados tendo como referência um mundo centralizado e hierarquizado, tendo como figura central o Estado, que detém, de acordo com a visão de Max Weber, o monopólio do uso da violência para fazer valer o comando legal.

            Porém, o Bitcoin foi desenhado de forma diversa, sem uma autoridade central. Ele foi pensado justamente para resistir ao ataque estatal, e, para tanto, não tem um ente central do qual emana a coordenação do sistema. Trata-se de um protocolo descentralizado e distribuído, cujas cópias integrais das operações registradas na blockchain encontram-se distribuídas pelos diversos nós (nodes) espalhados pelo mundo e conectados entre si pela internet. Quanto mais quantidade de nodes houver, mais forte a rede fica a ataques.

            Assim, não há um único local que controla a rede. As novas transações são inseridas na blockchain por um sistema de consenso dos participantes, que verifica parâmetros estabelecidos no protocolo, rejeitando eventuais transações que não seguem o pré-estabelecido no protocolo.

            Como não há um centro de controle, não tem um ente com poderes para alterar os dados inseridos na rede ou, até mesmo, para bloquear ativos de determinada carteira, não tendo para quem a autoridade estatal encaminhar uma ordem de bloqueio.

            O acesso aos ativos, que nunca saem da rede, só pode ser feito através de uma chave privada, que é de conhecimento exclusivo, a priori, do titular do ativo vinculado àquela chave. Na verdade, o “dono” daquele ativo é quem detiver a chave privada, por isso a importância de saber guardar a informação da referida chave do acesso de terceiros. Sem essa informação, o ativo é inacessível a qualquer pessoa.

            Se os advogados do Banco Safra soubessem desse aspecto técnico do Bitcoin, não teriam feito tal pedido no processo judicial, pois é impossível a penhora do Bitcoin pelo Poder Judiciário.

            Alguns leitores podem perguntar o seguinte: então, se é impossível ter acesso ao Bitcoin sem a chave privada, por que as corretoras que funcionam no Brasil estão fazendo acordo ou convênios com o Conselho Nacional de Justiça – CNJ para facilitar o bloqueio de ativos?

            A resposta é simples. Lembra que acima falei que o acesso ao ativo se dá através da chave privada? Na corretora de criptos, a chave privada é de conhecimento (posse) da própria Exchange, tendo o cliente apenas um crédito decorrente do contrato de depósito que ele tem com a corretora, a exemplo do que acontece na relação jurídica com os bancos. Quem detém o Bitcoin (para manter o mesmo ativo da manchete) é a corretora, e não o cliente que não sacou o ativo para sua carteira privada. Assim, a corretora, pessoa jurídica com operação no Brasil, é quem receberá a ordem judicial de bloqueio e a cumprirá, pois a pessoa física responsável pelo cumprimento da ordem não vai querer responder a um processo criminal por crime de desobediência.

            Perceba que a ordem judicial só poderá ser cumprida se o ativo permanecer na corretora, pois esta será a detentora da chave privada da carteira e é necessário ter acesso à chave privada para poder movimentar os fundos.

            No caso da manchete jornalística que envolveu o Banco Safra, os fundos (leia-se: chave privada) não estavam em alguma corretora de cripto, mas sim com o próprio devedor do processo, pois estavam em carteira própria, cuja chave privada é conhecida apenas por ele. Somente através da chave privada é possível mover os fundos, não há alternativa.

            Importante para o operador do Direito, em qualquer uma das funções, estudar e compreender como funciona o Bitcoin para não realizar pedidos inexequíveis ou proferir ordem judicial igualmente impossível de ser cumprida, em razão da tecnologia que envolve o desenho do protocolo do Bitcoin.

O que você acha dessa característica do Bitcoin? Deixe a sua opinião nos comentários. Sugira também algum tema que gostaria que fosse abordado.

Fonte da notícia sobre o Banco Safra: https://livecoins.com.br/justica-nega-pedido-do-banco-safra-para-apreensao-de-bitcoins/

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