A cultura pode ser um obstáculo ao desenvolvimento de um país?

A cultura diz muito sobre um país, sobre o seu povo. Cultura aqui compreendida como o conjunto de costumes que norteiam as atitudes da maior parte da população. Há países conhecidos pela cultura da inovação, do empreendedorismo, do cumprimento dos contratos, outros pela cultura da corrupção.

Já faz alguns dias que venho pensando sobre a realidade brasileira de forma mais detida, notadamente no comportamento de vários brasileiros quando a questão é cumprir o contratado. Parece que tem aumentado o número de brasileiros que não compreende que um bom negócio é aquele em que todos ganham, que é possível a realização de transações nas quais todas as partes ganham, e não apenas uma, isto é, que é possível negócios fora da deletéria lógica da soma zero, na qual para uma das partes ganhar, a outra precisa perder.

  De acordo com a Transparência Internacional, em 2024 o Brasil registrou sua pior nota na série histórica do Índice de Percepção da Corrupção, ficando na 107ª posição entre os 180 países avaliados. O país caiu três pontos em relação ao ano de 2023. Há dez anos o Brasil estava empatado com Bulgária, Grécia, Itália, Romênia, Senegal e Essuatíni. Dessa lista, apenas Essuatíni e o Brasil estão com notas piores no índice em relação aos últimos dez anos. Para tristeza nossa, atualmente o Brasil está empatado com Argélia, Malauí, Nepal, Níger, Tailândia e Turquia.

  Alguns afirmam que a cúpula política do país é reflexo do seu povo. Não sei até que ponto isso é verdade, pois mais parece que existe aqui um reflexo de mão dupla, com parte do povo refletindo a cúpula política e essa refletindo parte do povo, um um loop infinito de péssimas práticas.

O índice da Transparência Internacional engloba a percepção da corrupção em relação ao setor público. Porém, não é apenas o setor público que contribui para a cultura da corrupção (lato sensu), colaborando também as pessoas físicas e jurídicas.

Tem sido noticiado que várias pessoas têm comprado produtos, os recebem nos endereços indicados e depois dão ordem de sustação de pagamento, alegando que não receberam os produtos, causando prejuízos para os comerciantes de boa-fé. Também há notícias de comerciantes que não entregam o que prometem, lesando consumidores.

Graças às pessoas físicas ou jurídicas que não cumprem o contratado, o preço desse custo é distribuído para os demais players, prejudicando toda a sociedade, pois os contratos são firmados sob o fantasma do provável descumprimento, exigindo, para minimizar eventual futuro prejuízo, o aumento do preço do produto ou serviço, bem como a estipulação de cláusulas penais mais onerosas.

A confiança no comportamento esperado do outro, que é o elemento mais importante em uma sociedade, deixa de existir com esse tipo de cultura, o que impede o verdadeiro desenvolvimento sustentável, pois todo mundo fica receoso em contratar, não sabendo se receberá o preço, o produto ou o serviço contratado. A fidúcia é elemento essencial em uma sociedade que visa o crescimento socioeconômico de longo prazo, sendo de suma importância para a construção de relacionamentos duradouros e produtivos entre as pessoas; relacionamentos estes que podem resultar em inovação e na geração de renda para as diversas classes sociais que compõem o país e, por via de consequência, o desenvolvimento do próprio país.

Como costuma dizer meu amigo Odilon Santos Rocha, “falhamos como projeto de nação”. A essa sua afirmação precisa e realista, apresento a minha pergunta: em qual momento falhamos como nação? Ainda não sei a resposta, deixando esse exercício analítico para você, caro leitor.

É imprescindível reformular essa cultura do “jeitinho”, de que para alguém ganhar, outro precisa perder. É possível sim que todos ganhem nas transações, porém, para isso, é preciso que haja respeito mútuo entre as pessoas, com todos agindo de boa-fé, que as condutas sejam pautadas pela honestidade e pelo desejo de fazer o melhor, que os contratos sejam celebrados para serem cumpridos na íntegra, e que o descumprimento dos pactos seja algo excepcional e residual.

  Somente assim poderemos construir um país sério, digno, seguro, com qualidade de vida, no qual todos desejem permanecer, desenvolver projetos pessoais e profissionais de longo prazo e constituir família. 

Do jeito que está, tenho escutado cada vez mais dos jovens a vontade de sair do país, o que é lamentável, pois os cérebros do nosso futuro têm deixado a cada dia o Brasil, em busca de melhores condições de vida. E, dessa forma, o Brasil continua sendo o eterno país do futuro, futuro esse que parece mais uma miragem do que uma realidade alcançável. Mas isso já é tema para outra conversa.

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One Response

  1. Começo respondendo ao título; sim, pode.
    O tema é complexo, repleto de causas e consequências, históricas e não menos políticas.
    Por vezes pode ser mal interpretado, mal compreendido, podendo gerar sentimento de discriminação.
    Entretanto, inegavelmente, a cultura, entendida aqui como um comportamento geral de um povo nos vários campos da sociedade, sejam eles econômicos, sociais ou políticos, determina o avanço ou retardado na construção de uma nação. Os exemplos no mundo são por demais gritantes. Nós dois sentidos.
    No entanto, ressalto um aspecto que têm sido, particularmente em no País, altamente negativos para tanto. O aspecto da péssima, senão execrável política. A partir desse aspecto todos os demais pilares, como Educação, Economia, Justiça, etc. desmoronam. Altos índices de corrupção, uma cultura (olha ela aí!) da impunidade, ideologização da Justiça, enfim, a lista é grande, todos são consequências do aspecto político.

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