O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu examinar se a Lei da Anistia abrange os crimes de ocultação de cadáver ocorridos durante a ditadura militar, que permanecem sem solução até hoje. A questão está sendo analisada no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1501674, cuja repercussão geral foi reconhecida pelo Plenário Virtual em deliberação encerrada em 14 de fevereiro de 2025.
Com o reconhecimento da repercussão geral, o STF se compromete a julgar o mérito da questão discutida no recurso, e a decisão que vier a ser tomada deverá servir de orientação para as demais instâncias do Judiciário em casos semelhantes. O relator do processo é o ministro Flávio Dino, responsável por levar o tema ao Plenário Virtual.
O caso específico envolve uma denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) no Pará, em 2015, contra os tenentes-coronéis do Exército Lício Augusto Ribeiro Maciel e Sebastião Curió Rodrigues de Moura. Maciel é acusado de, em 1973, ter assassinado três opositores do regime militar “mediante emboscada e por motivo torpe” e de ocultar seus corpos. Curió é acusado de participar da ocultação desses cadáveres entre 1974 e 1976. Os eventos ocorreram durante a Guerrilha do Araguaia, movimento armado organizado por militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) nas proximidades do Rio Araguaia, abrangendo áreas que hoje correspondem aos estados do Pará e Tocantins.
A Justiça Federal no Pará rejeitou a denúncia com base na Lei da Anistia (Lei 6.683/1979), que perdoou crimes políticos e conexos praticados entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, e no entendimento do STF sobre a validade dessa lei, conforme decidido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) manteve essa decisão. O MPF, então, recorreu ao Supremo.
O ministro Flávio Dino destacou que a análise não busca revisar a decisão da ADPF 153, mas delimitar o alcance da Lei da Anistia em relação ao crime contínuo de ocultação de cadáver, cuja ação se estende no tempo. Ele explicou que esse crime não se limita ao ato físico de ocultar o corpo; a persistente omissão sobre o paradeiro dos restos mortais impede que familiares exerçam seu direito ao luto, configurando a continuidade do crime e uma situação de flagrante.
Ao reconhecer a repercussão geral, Dino enfatizou o impacto social do tema, relacionado à forma como o Brasil lida com sua história. Ele mencionou o “direito natural” de pais e mães de velarem e enterrarem dignamente seus filhos, direito que se estende a outros familiares. O ministro afirmou que a análise considerará o alcance da decisão do STF sobre a Lei da Anistia e questões de direitos humanos, especialmente as normas estabelecidas pela Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, promulgada pelo Decreto 8.767/2016.
A posição do relator foi unanimemente acompanhada pelos demais ministros do STF.
Referências:
- Supremo Tribunal Federal. “STF vai analisar aplicação da Lei da Anistia em casos de desaparecimento de pessoas na ditadura militar.” Disponível em: Clique aqui
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