Autor: luizguedes

  • Reforma tributária e a teoria da tributação ótima

    Reforma tributária e a teoria da tributação ótima

    Publicado artigo sobre reforma tributária e a teoria da tributação ótima

    Reforma tributária e teoria da tributação ótima-min
    Reforma tributária e teoria da tributação ótima-min

    Publicado em agosto de 2020 o volume 45 da Revista de Direito Tributário Atual. Neste volume foi publicado o artigo do advogado Luiz Guedes, do escritório Guedes & Braga, sobre necessidade da aplicação da Teoria da Tributação Ótima à reforma tributária no Brasil.

    No artigo, o autor Luiz Guedes da Luz Neto analisa as principais propostas de reforma tributária que tramitam no Congresso Nacional e a importância da realização de estudos prévios que demonstrem os impactos reais das propostas na economia brasileira.

    Será que as propostas de reforma tributárias analisadas apresentaram estudo sobre o real impacto? Para saber mais, clique abaixo para ler a íntegra do artigo.

    Para ter acesso ao artigo publicado na RDTA 14, clique aqui.

    RESUMO
    É ponto pacífico a necessidade de uma reforma tributária eficiente para que o Brasil possa recuperar a sua
    competitividade no comércio internacional, gerando riquezas para empresas e pessoas naturais. Todas as
    mudanças no sistema tributário realizadas nas últimas décadas não conseguiram criar o arcabouço legal que
    gerasse segurança jurídica e menor impacto no setor econômico. O campo de estudo é o Sistema Tributário,
    tendo como objetivo a verificação da aplicação da Teoria da Tributação Ótima à reforma tributária brasileira
    em tramitação no Congresso Nacional. A metodologia (método) adotada na presente pesquisa é a descritiva,
    com a verificação da eventual existência de estudos prévios que fundamentem as propostas de reforma
    apresentadas ao Congresso Nacional, bem como uma análise bibliográfica acerca da Teoria da Tributação
    Ótima. O resultado da pesquisa demonstra os pontos positivos da aplicação da Teoria da Tributação Ótima na
    reforma do sistema tributário brasileiro, concluindo-se que a reforma tributária, que observa-se a aludida
    teoria, resultaria em um sistema tributário eficiente, que poderia diminuir o custo tributário para pessoas e
    empresas, resultando, assim, em mais desenvolvimento ao Brasil.
    PALAVRAS-CHAVE: DIREITO TRIBUTÁRIO, REFORMA TRIBUTÁRIA, ECONOMIA, POLÍTICA
    TRIBUTÁRIA, TEORIA DA TRIBUTAÇÃO ÓTIMA

    ABSTRACT
    It is a peaceful point the need for an efficient tax reform so that Brazil can re-cover its competitiveness in
    international trade, generating wealth for companies and natural persons. All the changes in the tax system

    made in the last decades have failed to create the legal framework that would generate legal security and less
    impact on the economic sector. The field of study is the Tax System, with the objective of verifying the
    application of the Theory of Optimal Taxation to the Brazilian tax reform under way in the National Congress.
    The methodology (method) adopted in this research is descriptive, with the verification of the possible
    existence of previous studies that support the re-form proposals presented to the National Congress, as well
    as a bibliographic analysis about the Theory of Optimal Taxation. The result of the research shows the positive
    points of the application of the Theory of Optimal Taxation in the reform of the Brazilian tax system,
    concluding that the tax reform, which is observed in the aforementioned theory, would result in an efficient
    tax system, which could reduce the cost tax for people and companies, thus resulting in more development for
    Brazil.

    Post inicialmente publicado no site Guedes & Braga.

    Para acessar lista dos artigos científicos publicados pelo autor, clique aqui.

    Autor: Luiz Guedes da Luz Neto, mestre e doutor em direito pela UFPB, UFPB, advogado, professor e pesquisador, PB, prof.luizguedes@gmail.com

    Introdução

                Nos últimos meses muito se tem falado em reforma tributária no país, incluindo esta reforma dentre aquelas fundamentais para o desenvolvimento econômico sustentável do Brasil. Tem-se conhecimento de quatro propostas até o presente momento.

                A reforma tributária é um empreendimento necessário para melhorar a competitividade do país, em especial frente às nações que têm um custo de produção e de transação menores, pois são mais competitivas. Além de necessária, a reforma tributária traz consigo enormes desafios diante da complexidade da matéria e do jogo de forças entre os entes tributantes, em especial entre estados e União Federal.

                Diante do tamanho de tal empreendimento, surge o problema de pesquisa a seguir: ao contrário das reformas tributárias já realizadas no Brasil, qual postura pode ser adotada pelo legislador para encontrar um desenho mais adequado para a elaboração de um sistema tributário que possa contribuir para a criação de um ambiente menos oneroso para o cumprimento das obrigações fiscais e que possa contribuir para o Brasil recuperar a competitividade perdida nos últimos quarenta anos?

                Como proposta de resposta ao problema de pesquisa acima mencionado, eis a hipótese apresentada: uma reforma tributária eficiente e que possa responder aos reclamos e necessidades da sociedade e do estado tributante passa pelo estudo e adoção da Teoria da Tributação Ótima, que pode oferecer um substrato teórico adequado para a realização de um amplo estudo matemático, jurídico, econômico, financeiro, isto é, um largo e profundo estudo multidisciplinar para se analisar os possíveis desenhos do sistema tributário a ser proposto, inclusive com elaboração de modelos para a realização de simulações das consequências das propostas de mudança.

                A metodologia adotada será a descritiva, com a verificação da eventual existência de estudos prévios que fundamentem as propostas de reforma apresentadas ao Congresso Nacional, bem como será realizada uma análise bibliográfica acerca da Teoria da Tributação Ótima.

                O presente trabalho tem como objetivo geralverificar a potencialidade da Teoria da Tributação Ótima como instrumental teórico eficaz na elaboração de uma reforma tributária eficiente para o desenho de um sistema tributário que possa ser menos oneroso para a nação.

                Os objetivos específicos constituem os seguintes: delimitar a Teoria da Tributação Ótima; analisar as principais vertentes da Teoria da Tributação Ótima; Teoria da Tributação Ótima no Brasil; verificar se as principais propostas de reformas tributárias atualmente existentes possuem suporte em algum estudo multidisciplinar.

                Trata-se, portanto, de tema atual e relevante, com consequências práticas e reais sobre a dinâmica econômica do país, não estando nenhum estrato socioeconômico isento às suas consequências. Por essa razão, justifica-se a análise da contribuição que a referida teoria possa dar a este momento legislativo importante por que passa o Brasil.

    2. Teoria da Tributação Ótima: o que é?

                O Teoria da Tributação Ótima não é recente, porém pouco difundida no Brasil. Não é tarefa fácil definir o marco inicial da aludida teoria, conforme lembrado por Marcos de Aguiar Villas Boas[1]. De há muito tempo na história vários pesquisadores dedicaram seus estudos à análise da relação dos tributos com a geração de riquezas, bem como quanto aos aspectos da igualdade e da capacidade tributária.

                Adam Smith[2], na sua obra “An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations”, fixou alguns princípios essenciais, ou fundamentais, acerca da tributação, a saber: os tributos devem respeitar a isonomia, devendo ser cobrados na medida das habilidades de cada contribuinte, na ideia, mesmo que incipiente, de capacidade contributiva; não pode pairar sobre a tributação qualquer dúvida, devendo esta ser certa, não devendo ser arbitrária, tudo isso para evitar insegurança e não-pagamento pelo contribuinte; o momento e a forma de pagamento devem ser os mais oportunos para o contribuinte, visando, com isso, a menor oneração deste, pois o contribuinte já é gravado pela obrigação de pagar os tributos. O doutrinador brasileiro Villas Boas[3] chama a atenção para o fato de Smith ter constituído, de forma tão clara, na sua obra a “A Riqueza das Nações”, acima mencionada, os princípios essenciais da tributação.

                Desta forma, de acordo com Adam Smith, há a redução da perda de eficiência econômica através da tributação mínima sobre a propriedade do cidadão, devendo a tributação recair apenas sobre a proporção do patrimônio do contribuinte necessária para o financiamento das atividades do Estado, devendo o máximo desse mínimo ser aproveitado da forma mais eficiente possível, procurando o Estado reduzir ao máximo os custos incorridos para tributar.

                Não foi apenas Adam Smith quem se preocupou com a questão da tributação. John Stuart Mill abordou a política tributária, no Século XIX, delineando os princípios de política econômica, e procurou aprofundar os princípios elencados por Adam Smith, tendo apresentado propostas específicas, entre elas: a proposta que mais chama a atenção em Stuart Mill é a ideia da tributação maior das heranças, pois ele considerava que essas eram riquezas totalmente novas para aqueles que recebiam, pois produzidas por terceiros, ou seja, pelos sucedidos[4].

                Outro expoente entre os antecessores da Teoria da Tributação Ótima é Frank Ramsey, reconhecido como o fundador da versão moderna da teoria da tributação ótima, com a publicação do artigo intitulado A contribution to the theory of taxation. Vale ressaltar a metodologia do estudo de Ramsey, que soube focar o seu problema de pesquisa de forma precisa, o que contribuiu para a elaboração de uma pesquisa científica relevante.

                Vale frisar que Ramsey, assim como Adam Smith, preocupava-se com as externalidades da tributação nos comportamentos econômicos. Uma das preocupações de Ramsey era: como seria possível elevar as receitas do Estado com um determinado imposto sobre commodities sem distorcer muito os comportamentos econômicos? Na busca de resposta para o seu problema de pesquisa, ele avaliou o efeito de impostos em diversas commodities, averiguando os diversos efeitos da tributação sobre múltiplas commodities. Como instrumental, utilizou equações matemáticas. Depois de inúmeras verificações através de dados produzidos pelas equações matemáticas, concluiu que produtos com menos elasticidade de demanda deveriam ter alíquotas maiores.

                Um ponto que vale destacar nos estudos de Ramsey é a comprovação feita por ele acerca da negatividade da tributação para a economia por sua alta capacidade de redução da demanda. Por isso mesmo, o sistema tributário deve ser bem estudado, analisando-se por diversos ângulos, inclusive com o uso de ferramentas matemáticas, o impacto na economia. A tributação é imprescindível[5], pois o Estado precisa ser financiado, porém precisa ser muito bem desenhada.

                 Na década de 1970 surgiu o que se denomina de Teoria da Tributação Ótima Pós-moderna, tendo como pensadores Peter Diamond, James Mirrlees, Joseph Stiglitz e Anthony Atkinson. O contexto histórico a partir do qual surge essa vertente da Teoria da Tributação Ótima Pós-moderna é o da economia do bem-estar social. E essa nova abordagem da referida teoria muda os paradigmas existentes até então.

                Antes, a teoria tinha como abordagem a eficiência do mercado composto por agentes racionais, tendo como foco da pesquisa a melhor forma de tributação para distorcer menos a oferta e a demanda. A partir da década de 1970, passa a ser a conjunção entre a eficiência e as análises sobre a equidade[6].

                E continua até hoje o paradoxo vigente na Teoria da Tributação Ótima, qual seja, o trade-off[7][8] entre eficiência e equidade.

                Joseph Stiglitz e Atkinson analisaram como deveriam se relacionar o imposto sobre o consumo e o imposto sobre a renda, pois eles pretendiam compreender como diferentes tributos se inter-relacionam para que a tributação atinja seus objetivos[9].

                Como observado acima, entre os diversos estudiosos, percebe-se que houve uma evolução na Teoria da Tributação Ótima, com o acréscimo paulatino de cada pesquisador ao longo dos anos. Esse é o processo natural do conhecimento humano, que é construído a partir das contribuições de pesquisadores anteriores, às quais os novos acrescem recentes dados, aperfeiçoam a metodologia, em um contínuo processo de evolução da pesquisa científica.

                Não é de hoje a discussão sobre o uso da matemática na economia, alguns entendem ser imprescindível, pois permite uma demonstração organizada de problemas, enquanto que outros alertam que a limitação do estudo pela matemática pode focar o seu estudo em formalizações, deixando em segundo plano a análise de dados históricos e a apresentação de soluções para os problemas concretos atuais e futuros[10].

                Não se olvida a importância da matemática para as análises econômicas. Ela permite avaliar os efeitos dos diversos modelos, desenhos, do sistema tributário. Considero que a matemática tem uma grande valia nessa seara porque permite o estudo mais preciso dos efeitos da tributação, diminuindo a possibilidade de “aventuras” teóricas da economia e do direito.

                Depreende-se da síntese histórica acima delineada que a Teoria da Tributação Ótima foi criada pelas mãos de economistas. Não obstante ser originária do campo da economia, pode ser apropriada com resultados interessantes pelas ciências jurídicas.

                E o conhecimento humano não para no tempo. No final do Século XX e início do XXI, houve a continuidade do aprimoramento da teoria, através de Diamon, Mirrlees, Atkinson e Stiglitz, transmudando a análise econômica de um viés mais tradicional, matemático e formal, para uma abordagem transdisciplinar e pragmático[11].

                Eis, pois, uma síntese do que é a Teoria da Tributação Ótima, sendo esta uma ferramenta bastante útil no auxílio da elaboração de desenhos de sistemas tributários, ou apenas de tributos, com a utilização de diversas disciplinas, a exemplo da matemática, da economia, do direito, da história, da sociologia, que, juntas, auxiliam na análise da realidade com vistas à proposição de soluções que possam ter menos impactos negativos no mercado, na economia, possibilitando o desenho de realidades tributárias mais eficientes e equânimes.

    3. Teoria da Tributação Ótima no Brasil

                É um fato público e notório que o sistema tributário brasileiro é extremamente complexo, com uma quantidade enorme de normas federais, estaduais e municipais. Atualmente, as empresas gastam, em média, 1.501 horas[12] para lidar com a burocracia para recolher os tributos, tendo sido considerado o Brasil o país do mundo no qual as empresas despendem mais tempo com a burocracia para o pagamento tributário[13].

                Diante dessa realidade caótica, constata-se que as reformulações tributárias realizadas no país nas últimas décadas não foram bem pensadas, bem formatadas, pois não conseguiram diminuir o ônus dos contribuintes em pagar os tributos, nem do fisco em fiscalizar e arrecadar o crédito tributário. Além do ônus para o pagamento da obrigação tributária, a carga tributária é bastante elevada.

                Assim sendo, pode-se afirmar com segurança que não houve estudos sérios, com coleta e análise de dados, que fundamentassem as propostas de reformulações tributárias implementadas até a presente data. Na verdade, não houve no Brasil, nas últimas quatro décadas, uma verdadeira revisão ampla do sistema tributário.

                Constata-se a existência de muitos artigos científicos e livros que se limitam a reproduzir a doutrina já consolidada, que tecem críticas ao modelo, porém não se encontram estudos multidisciplinares a exemplo dos realizados no Reino Unido[14] e na Austrália.

                De acordo com Marcos de Aguiar Villas Boas[15], aparentemente o Direito Tributário brasileiro está começando a adotar estudos multidisciplinares (transdisciplinares) e pragmáticos, com a adoção de novos métodos de estudos à doutrina tributária, “pautando-se em premissas que buscam embasamento numa maior complexidade, na pluralidade, na desdogmatização e na desformalização”[16], porém tais estudos são esparsos e pouco aprofundados, não podendo ser comparados às análises que serviram de base para a Mirrless Review[17][18].

                A Teoria da Tributação Ótima encontra resistência no Brasil. Em uma entrevista, o ex-secretário da Receita Federal do Brasil, Everardo Maciel, afirmou que a “tributação ótima é uma ficção. Todos os sistemas tributários são imperfeitos e tendem à obsolescência”[19]. De acordo com ele, é impossível a formatação de um modelo tributário perfeito, pois sempre haverá conflitos de interesses no parlamento quando do debate das regras que compõem o sistema tributário.

                Parece que o ex-secretário confunde os conceitos de dois termos: o de ótimo e o de perfeito. O primeiro conceito remete ao sentido de possível dentro de determinada realidade, enquanto que o segundo se refere àquilo que não tem defeito. Busca-se com a aplicação da Teoria da Tributação Ótima o melhor desenho de sistema, não um sistema perfeito, já que essa tarefa é impossível.

                Não obstante o posicionamento do ex-secretário da Receita Federal, a doutrina tributária brasileira tem começado a despertar interesse pela teoria aludida, não como uma ferramenta para a construção de um sistema tributário perfeito, mas com o objetivo da construção de um sistema tributário mais eficiente e equitativo.

                E parece que o debate da tributação ótima no Brasil, mesmo que recente e ainda pouco aprofundado, começou a surtir efeitos na Câmara dos Deputados. O Deputado Federal Glauber Braga, do Estado do Rio de Janeiro, encaminhou ao Presidente da Comissão de Legislação Participativa, requerimento no qual solicitava a realização de uma Audiência Pública com o tema “Tributação e desigualdade”, com o objetivo de subsidiar os debates acerca das propostas de Reforma Tributária[20] para buscar alternativas que promovam a equidade vertical.

                Pleiteou, o Deputado Federal Glauber Braga, ainda, no referido requerimento, o convite de cinco pessoas que trabalham com a questão fiscal, entre elas pesquisadores do IPEA e auditores fiscais do Estado do Pará e da Receita Federal. Infelizmente, esqueceu de convidar profissionais do setor privado, do setor produtivo e dos contribuintes pessoa física para representar os contribuintes e, desta forma, ter a possibilidade de análise da situação pelos ângulos de todos os interessados.

                Mesmo de forma incipiente, está nascendo entre os estudiosos da tributação a percepção de que é necessária a análise transdisciplinar do fenômeno tributário e a sua repercussão na economia, na geração e transferência de riqueza na nação, bem como o seu impacto na competitividade de vários setores frente ao comércio internacional. Mister que esses estudos avancem e que possam apresentar soluções calcadas em evidências empíricas, matemáticas, e não apenas baseadas em dogmas doutrinários, como tem sido nas últimas décadas no Brasil.

    4. Principais propostas apresentadas de reforma tributária

                Há propostas de reforma tributária na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O ponto em comum nas principais propostas é a simplificação tributária, com a unificação de alguns tributos. Nenhuma das propostas resultará em diminuição da carga tributária brasileira, que é resultado da quantidade de recursos financeiros necessária para o financiamento do Estado brasileiro. A diminuição da carga tributária passa necessariamente por uma extensa reforma administrativa que vise a diminuição do custo da máquina pública nas esferas federal, estadual e municipal.

                Na Câmara dos Deputados tramita a Proposta de Emenda Constitucional 45/20019 – PEC 45/2019[21], apresentada pelo Deputado Federal Baleia Rossi, tendo como referência um estudo elaborado pelo economista Bernard Appy. Essa proposta busca, em nome da simplificação tributária, a substituição do imposto sobre produtos industrializados – IPI, imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações – ICMS, imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS, contribuição para financiamento da seguridade social – Cofins e da contribuição para o Programa de Integração Social – PIS, pelo Imposto sobre Bens e Serviços – IBS.

                De forma clara, o Deputado Baleia Rossi afirma que o “modelo proposto busca simplificar radicalmente o sistema tributário brasileiro, sem, no entanto, reduzir a autonomia dos Estados e Municípios, que manteriam o poder de gerir suas receitas através da alteração da alíquota do IBS”[22].

                Na justificativa da PEC 45/2019, o deputado federal proponente informa que as mudanças sugeridas têm como referência a proposta desenvolvida pelo Centro de Cidadania Fiscal – CCiF, porém não apresenta com a justificativa os estudos eventualmente desenvolvidos pelo CCiF que embasam a proposta.

                Diante da ausência da apresentação do estudo realizado pelo CCiF[23] na proposta da PEC 45/2019, consultou-se o site do referido centro em busca de dados acerca dos estudos promovidos para o desenvolvimento da proposta de reforma tributária para se verificar se essa proposta foi formulada com base em dogmas jurídico-econômicos, ou se é resultado de um amplo estudo transdisciplinar.

                As notas técnicas estão disponíveis no sítio eletrônico do CCiF[24], e em seu texto, infelizmente, não há a explicação da metodologia de estudo empregada para a elaboração da mencionada proposta, o que dificulta sobremaneira a avaliação acerca dos dados que informam a nota técnica, se baseados em análises de modelos matemáticos e econômicos que possam ser verificados, ou se é possível simular o impacto das mudanças propostas na economia, ou se as propostas são baseadas apenas em postulados teóricos.

                No Senado Federal tramita a PEC 110/2019[25], que é a reprodução de um projeto já aprovado em uma comissão da Câmara dos Deputados de autoria do ex-Deputado Luiz Carlos Hauly, que tem como modelo a substituição de nove tributos por um imposto no modelo IVA, ou seja, pelo IBS, bem como a criação de um imposto seletivo, este de competência federal.

                A exemplo da PEC 45/2019, em tramitação na Câmara dos Deputados, a justificativa da PEC 110/2019 do Senado Federal não traz referência a nenhum estudo fundamentado em disciplinas transdisciplinares, limitando-se a afirmar que trará resultados benéficos ao país, porém não apresenta dados de modelos matemáticos dos diversos cenários possíveis, bem como possíveis externalidades negativas.

                Há uma proposta de reforma tributária oriunda do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA[26], que prevê a instituição de um IVA em módulos: módulo 1 com a substituição do PIS e COFINS por uma Contribuição Federal sobre o Consumo (IVA-Federal) e do IPI e CIDE por um imposto seletivo; módulo 2 com a substituição do ICMS e ISS por um imposto estadual sobre o consumo (IVA-estadual); e o módulo 3 que cria imposto sobre vendas a varejo – IVV. O texto para discussão da proposta aludida está acessível no site do IPEA.

                Esse texto, no item 2, informa que a proposta é resultado de discussões e análises desenvolvidas por um grupo de pesquisadores do IPEA em conjunto com especialistas da área tributária, porém não traz, nesse documento, as análises desenvolvidas pelo mencionado grupo de pesquisadores[27]. Informa que a proposta é baseada em estudos, porém não demonstra os estudos, o que dificulta sobremaneira tanto a verificação da existência do estudo (será que existe mesmo?), quanto a validade do suposto estudo (partindo da premissa de que ele existe), a metodologia adotada, os dados utilizados e os resultados dos modelos.

                Havia uma proposta do governo federal[28], que não tinha sido apresentada formalmente, mas alguns detalhes já eram de conhecimento público. Nessa proposta havia a previsão de um imposto único federal – IUF sobre todos os pagamentos, que iria substituir todos os impostos federais, com divergência quanto ao imposto de renda.

                Porém, em outubro de 2019 a ideia de um imposto único federal incidente sobre os pagamentos e transações bancárias, a exemplo da extinta CPMF, não foi bem recebida pela população brasileira, tendo o governo federal, aparentemente, desistido dessa ideia. É inerente a essa proposta, também, a ideia da simplificação.

                Em comum, tanto as propostas em tramitação no Congresso Nacional, quanto as apresentadas por entidades da sociedade civil, têm a ausência da demonstração dos seus estudos, dos modelos matemáticos porventura aplicados às análises, isto é, não há como a sociedade civil, mais especificamente os estudiosos de economia e do direito tributário, constatar a validade das proposições apresentadas nas respectivas propostas de reforma tributária, pois não há a divulgação, conforme dito acima, dos modelos matemáticos empregados no estudo, da metodologia de coleta e tratamento dos dados e de outros aspectos metodológicos imprescindíveis para a verificação da validade de uma pesquisa científica.

                Diante disso, mais parece que as propostas apresentadas continuam inseridas na tradição brasileira legislativa de repetir dogmas doutrinários como se os mesmos fossem suficientes para, por si mesmos, produzir os resultados pretendidos de eficiência e equidade tributária.

                A ausência de divulgação da metodologia dos modelos das propostas reforça essa constatação, pois, em um debate sério, amplo e com real intenção de propor solução satisfatória para o problema do sistema tributário brasileiro, pesquisadores deveriam insistir na divulgação mais ampla possível de tais dados para reforçar os seus argumentos de defesa do modelo proposto de reforma tributária. A não divulgação ampla, ou omissão dessa informação, depõe contra as mencionadas propostas de reforma.

    Conclusão

                Analisou-se no presente artigo a contribuição que a Teoria da Tributação Ótima pode dar para a reforma tributária brasileira, que, na verdade, é a reforma do sistema constitucional tributário. Sistema esse altamente complexo e que hoje gera um elevado custo para os agentes produtivos, para a sociedade e também para o fisco.

                Para tanto, inicialmente houve uma exposição breve da evolução da Teoria da Tributação Ótima ao longo da história, seguida de uma delimitação do conceito da aludida teoria nos dias atuais.

                Verificou-se que a Teoria da Tributação Ótima propõe uma abordagem multidisciplinar com o objetivo de desenhar um modelo de tributação que impacte, o mínimo possível, de forma negativa, a economia, pois é sabido que não há tributação neutra, sempre produzindo efeitos na economia o ato estatal de tributar.

                Analisou-se as quatro principais propostas de reforma tributária que se tem notícia no Brasil para verificar se essas proposições de reforma têm embasamento em estudo multidisciplinar, como exigido pela Teoria da Tributação Ótima.

                Depois de pesquisas nos sites eletrônicos do Senado, da Câmara dos Deputados, do Centro de Cidadania Fiscal e do IPEA, não se encontrou os estudos multidisciplinares que serviriam de substrato para as respectivas propostas de reforma. Se esses estudos existem, não estavam disponíveis nos respectivos sites, nem foram incluídos nas justificativas das PECs 45/2019 e 110/2019, a primeira da Câmara dos Deputado e a segunda do Senado Federal, o que é de estranhar, pois, se fossem incluídos nas justificativas das propostas de emenda constitucional teriam uma força argumentativa enorme para a formação de consenso no legislativo federal.

                O presente artigo visa a busca de resposta para o seguinte problema de pesquisa: ao contrário das reformas/modificações tributárias já realizadas no Brasil, qual postura pode ser adotada pelo legislador para encontrar um desenho mais adequado para a elaboração de um sistema tributário que possa contribuir para a criação de um ambiente menos oneroso para o cumprimento das obrigações fiscais e que possa contribuir para o Brasil recuperar a competitividade perdida nos últimos quarenta anos?

                A verificação da cultura legislativa brasileira, corroborada pela tradição da doutrina tributária nacional de buscar a solução para os problemas do sistema tributário nacional apenas nos dogmas teóricos do direito tributário, parece persistir com as principais propostas de reforma tributária, mormente as que estão em tramitação no Congresso Nacional, pois essas propostas não demonstram os eventuais modelos matemáticos utilizados nos seus estudos, a sua metodologia de verificação das externalidades positivas e negativas da proposta, parecendo residir as proposições de reforma na fé inabalável nas deduções lógicas amparadas em dogmas consolidados na doutrina tributária. Porém a ciência jurídica não se sustenta na fé nos aludidos dogmas, mas sim em dados e modelos que possam ser verificados por terceiros, com transparência nos dados e nas conclusões decorrentes das diversas simulações de cenários testados no modelo de reforma a ser proposto.

                Assim sendo, os fatos analisados propõem a confirmação da hipótese proposta neste artigo, a saber: uma reforma tributária eficiente e que possa responder aos reclamos e necessidades da sociedade e do estado tributante passa pelo estudo e adoção da Teoria da Tributação Ótima, que pode oferecer um substrato teórico adequado para a realização de um amplo estudo matemático, jurídico, econômico, financeiro, isto é, um largo e profundo estudo multidisciplinar para se analisar os possíveis desenhos do sistema tributário a ser proposto, inclusive com elaboração de modelos para a realização de simulações das consequências das propostas de mudança.

                Infelizmente as propostas de reforma tributária apresentadas até o presente momento não adotaram a Teoria da Tributação Ótima, que poderia fornecer um substrato teórico adequado para a realização de um amplo estudo multidisciplinar, saindo as propostas de reforma do campo dos dogmas doutrinários para a seara das verificações interdisciplinares dos modelos de sistema tributário, com potencial de implementação de alterações que possam trazer resultados positivos para toda a nação, ou, na linguagem dos economistas, externalidades positivas que realoquem o Brasil em uma situação favorável de competitividade frente aos demais players internacionais.

                A divulgação da Teoria da Tributação Ótima nas universidades, desde a graduação e com mais ênfase nas pós-graduações, pode contribuir para a mudança na cultura jurídica brasileira, incentivando a formação de grupos multidisciplinares engajados na pesquisa e na busca de solução efetiva para os desafios e problemas do sistema tributário brasileiro.

                E essa pesquisa e busca de soluções deve ser contínua, pois, mesmo que se consiga implementar uma reforma tributária eficiente hoje, com o passar do tempo será necessária a realização de estudos para verificar se os resultados a serem produzidos no futuro ainda serão os desejáveis, e, em não sendo mais satisfatórios, a proposição de novas soluções. Isto é, importante a previsão, na própria proposta de reforma tributária, de prazo para uma revisão, analisando todo o resultado produzido naquele determinado período.

                Assim como Villas Boas[29], espera-se que o presente texto possa ajudar a incentivar o estudo da Teoria da Tributação Ótima pelos tributaristas brasileiros, pois tal teoria pode ser um instrumental importante para o desenvolvimento de uma política tributária brasileira que possa contribuir para o alcance dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, em especial a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, insertos no art. 3º da Constituição Federal[30].

    Referências

    BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

    BRITISH LIBRARY. The structure and reform of direct taxation. Institute for Fiscal Studies: London, 1978.

    CÂMARA. Proposições. Comissão de Legislação Participativa. Disponível em <<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1723957>>. Acesso em 18 de outubro de 2019.

    ___________2. Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019. Disponível em <<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1728369&filename=PEC+45/2019>>. Acesso em 16 de outubro de 2019.

    CAMBRIDGE DICTIONARY. Cambridge dictionary. Disponível em: <<https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/trade-off>>. Acesso em 30 de outubro de 2019.

    CCiF. Reforma do Modelo Brasileiro de Tributação de Bens e Serviços. Disponível em <<http://www.ccif.com.br/wp-content/uploads/2019/08/NT-IBS-v2_2.pdf>>. Acesso em 27 de outubro de 2019.

    DOING BUSINESS 2019. DOING BUSINESS. Disponível em: <<https://portugues.doingbusiness.org/pt/data/exploretopics/paying-taxes>>. Acesso em: 26 de outubro de 2019.

    INSTITUTO MILLENIUM. A teoria econômica da tributação ótima é uma ficção absoluta, diz Everardo Maciel. Disponível em: <<https://www.institutomillenium.org.br/blog/a-teoria-economica-da-tributacao-otima-e-uma-ficcao-absoluta-diz-everardo-maciel/>>. Acesso em 26 de outubro de 2019.

    IPEA. Uma Reforma Dual e Modular da Tributação Sobre o Consumo no Brasil. Rio de Janeiro : Ipea, 2018. ISSN 1415-4765. P. 8, 9-11.

    MILL, John Stuart. Principles of political economy. Disponível em: <https://www.gutenberg.org/files/30107/30107-pdf.pdf>. Acesso em: 14. ago. 2015, p. 619 a 632.

    MIRRLESS REVIEW. Reforming the Tax System for the 21st Century: The Mirrlees Review. Disponível em <<https://www.ifs.org.uk/publications/mirrleesreview>>. Acesso em 03 de outubro de 2019.

    SENADO. Proposta de Emenda Constitucional nº 110/2019. Disponível em: <<https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7977727&ts=1571841321649&disposition=inline>>. Acesso em 18 de outubro de 2019.

    SMITH, Adam. An inquiry into the nature and the cause of The Welath of the Nations. Disponível em: <http://www.ibiblio.org/ml/libri/s/SmithA_WealthNations_p.pdf >. Acesso em 10 novembro 2019, p. 639 a 662.

    VILLAS BOAS, Marcos de Aguiar. Teoria da Tributação Ótima: Passado, Presente e Futuro. DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL, v. 34, 2015, p. 278, 279, 282, 284, 285.


    [1] VILLAS BOAS, Marcos de Aguiar. Teoria da Tributação Ótima: Passado, Presente e Futuro. DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL, v. 34, 2015, p. 278.

    [2] SMITH, Adam. An inquiry into the nature and the cause of The Welath of the Nations. Disponível em: <<http://www.ibiblio.org/ml/libri/s/SmithA_WealthNations_p.pdf >>. Acesso em 10 novembro 2019, p. 639 a 662.

    [3] VILLAS BOAS, Marcos de Aguiar. Teoria da Tributação Ótima: Passado, Presente e Futuro. DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL, v. 34, 2015, p. 278.

    [4] MILL, John Stuart. Principles of political economy. Disponível em: <https://www.gutenberg.org/files/30107/30107-pdf.pdf>. Acesso em: 14. ago. 2015, p. 619 a 632.

    [5] Afirmativa válida e pensada para um Estado fiscal, que retira os recursos financeiros da tributação das empresas e das pessoas naturais.

    [6] VILLAS BOAS, Marcos de Aguiar. Teoria da Tributação Ótima: Passado, Presente e Futuro. DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL, v. 34, 2015, p. 282.

    [7] Trade-off é uma situação em que há um conflito de escolha, caracterizando em uma ação econômica que visa à solução de um problema, porém resulta outro, forçando a pessoa a uma escolha. De acordo com o Dicionário Cambridge, trade-off ocorre quando a pessoa precisa fazer um equilíbrio de duas situações ou qualidades opostas – “a situation in which you balance two opposing situations or qualities”. Definição encontrada no Dicionário Cambridge mencionado na referência 7 deste artigo.

    [8] CAMBRIDGE DICTIONARY. Cambridge dictionary. Disponível em: <<https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/trade-off>>. Acesso em 30 de outubro de 2019.

    [9] VILLAS BOAS, Marcos de Aguiar. Teoria da Tributação Ótima: Passado, Presente e Futuro. DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL, v. 34, 2015, p. 284.

    [10] Ibidem,p. 285.

    [11] Ibidem,p. 285.

    [12] Refere-se ao ano-calendário 2018 (1º de janeiro de 2018 a 31 de dezembro de 2018).

    [13] DOING BUSINESS 2019. DOING BUSINESS. Disponível em: <<https://portugues.doingbusiness.org/pt/data/exploretopics/paying-taxes>>. Acesso em: 26 de outubro de 2019.

    [14] O Reino Unido promoveu um amplo e profundo estudo sobre o sistema tributário, com a aplicação da Teoria da Tributação Ótima, que resultou no The Structure and Reform of Direct Taxation (1978), do The Institute for Fiscal Studies, capitaneado pelo professor J.E. Meade, publicado originalmente em 1978, que tem como escopo e propósito do estudo analisar as características de uma boa estrutura de taxação, fazendo um diagnóstico dos defeitos do sistema daquela época e propondo uma política tributária alternativa. Modelo de estudo esse que pode ser adotado no Brasil pela academia para subsidiar o Poder Legislativo na elaboração de um sistema tributário mais eficiente e justo.

    [15] VILLAS BOAS, Marcos de Aguiar. Teoria da Tributação Ótima: Passado, Presente e Futuro. DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL, v. 34, 2015, p. 285.

    [16] Ibidem, p. 285.

    [17] A Mirrless Review foi um esforço de revisão do sistema tributário do Reino Unido que reuniu uma equipe internacional multidisciplinar de especialistas altamente capacitados e de jovens pesquisadores para identificar as características de um bom sistema para qualquer economia aberta no Século XXI.

    [18] MIRRLESS REVIEW. Reforming the Tax System for the 21st Century: The Mirrlees Review. Disponível em <<https://www.ifs.org.uk/publications/mirrleesreview>>. Acesso em 03 de outubro de 2019.

    [19] INSTITUTO MILLENIUM. A teoria econômica da tributação ótima é uma ficção absoluta, diz Everardo Maciel. Disponível em: <<https://www.institutomillenium.org.br/blog/a-teoria-economica-da-tributacao-otima-e-uma-ficcao-absoluta-diz-everardo-maciel/>>. Acesso em 26 de outubro de 2019.

    [20] CÂMARA. Proposições. Comissão de Legislação Participativa. Disponível em <<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1723957>>. Acesso em 18 de outubro de 2019.

    [21] CÂMARA2. Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019. Disponível em <<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1728369&filename=PEC+45/2019>>. Acesso em 16 de outubro de 2019.

    [22] Ibidem.

    [23] CCiF. Reforma do Modelo Brasileiro de Tributação de Bens e Serviços. Disponível em <<http://www.ccif.com.br/wp-content/uploads/2019/08/NT-IBS-v2_2.pdf>>. Acesso em 27 de outubro de 2019.

    [24] Ibidem.

    [25] SENADO. Proposta de Emenda Constitucional nº 110/2019. Disponível em: <<https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=7977727&ts=1571841321649&disposition=inline>>. Acesso em 18 de outubro de 2019.

    [26] IPEA. Uma Reforma Dual e Modular da Tributação Sobre o Consumo no Brasil. Rio de Janeiro : Ipea, 2018. ISSN 1415-4765. P. 9-11.

    [27] Ibidem, p. 8.

    [28] Até o fechamento deste artigo, não havia ainda registro no sistema eletrônico da Câmara dos Deputados de projeto de iniciativa do Poder Executivo.

    [29] VILLAS BOAS, Marcos de Aguiar. Teoria da Tributação Ótima: Passado, Presente e Futuro. DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL, v. 34, 2015, p. 278.

    [30] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

  • O aborto é um direito?

    O aborto é um direito?

    Aborto
    O aborto

    O aborto é um direito?

    Correu, em 11 de agosto de 2020, a notícia de que a Assembleia Nacional da França teria aprovado o aborto em qualquer momento até o nascimento do feto. Essa notícia, como não podia ser diferente, gerou diversos comentários.

             Em 17 de agosto do corrente ano outra notícia de aborto, desta vez no Brasil, tomou conta dos noticiários e das redes sociais. Desta vez o aborto foi realizado em uma menina de 10 (dez) anos de idade.

             Juridicamente, no território brasileiro, existe a figura do aborto legal, previsto no art. 128, incisos I e II do Código Penal. Trata-se de excludente de ilicitude o previsto no art. 128 e seus incisos, apesar da redação do texto legal dar a impressão de se tratar de excludente de punibilidade. Assim, o fato não é típico, ou seja, não é crime. Eis a redação do mencionado artigo:

    Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:  (Vide ADPF 54)

            Aborto necessário

            I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

            Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

            II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal

             Trata-se de formas excepcionais, nas quais o legislador brasileiro optou (opção política) por não considerar como crime o aborto praticado por médico em duas situações: inciso I, denominado de aborto necessário, autorizado quando não há outro meio de salvar a vida da gestante; inciso II, denominado de aborto em caso de gravidez resultante de estupro.

             A redação do art. 128 do Código Penal e seus incisos é bastante clara, não deixando muita margem para interpretação.

             Porém, não gostaria de mencionar apenas o aspecto jurídico, pois este não desperta muitos debates na doutrina pátria. Quero analisar algumas premissas lógicas dos defensores do aborto por qualquer motivo e em qualquer fase da gestação.

             Os defensores da prática do aborto como meio de controle de natalidade, ao invés de defender essa ideia de forma direta, preferem defendê-la de forma transversal, ou seja, empregando termos que parecem ser mais fáceis de acatamento pela sociedade.

             Passo a analisar alguns dos argumentos dessa estratégia linguística dos que defendem o aborto como direito das mulheres e querem a sua ampliação legal.

             Sobre o “meu corpo, minhas regras”. Várias defensoras do aborto afirmam que possuem liberdade plena sobre os próprios corpos. Assim sendo, como o feto estaria dentro do seu corpo, pertenceria à gestante a decisão de levar a gravidez ao termo natural ou de interrompê-la quando desejasse.

             Essa afirmação é uma falácia, pois o feto não é parte integrante do corpo da gestante. O feto não é um apêndice do corpo da mulher, é um ser específico, essencialmente distinto do corpo onde está sendo gestado, tem vida própria (sistemas biológicos próprios). A natureza optou, na espécie humana, que a gestão fosse interna, no interior do corpo da mulher, local no qual será nutrido até estar pronto para a vida extrauterina. Porém, isso não significa que o feto é parte integrante do corpo da mulher, pois é um ser distinto do ser que o está gestando.

             Eis o outro argumento dos defensores do aborto: a mulher tem liberdade sexual e faz parte da liberdade sexual o direito ao aborto[1]. Também não se sustenta essa afirmação. Sim, a mulher tem liberdade sexual no mundo ocidental, isso é um fato. O homem também a tem. Porém, o que é liberdade sexual? Para se definir o conteúdo dessa liberdade, deve-se iniciar a hermenêutica pela análise das palavras “liberdade” e “sexual, depois da expressão “liberdade sexual”.

             No dicionário, liberdade é “nível de independência absoluto e legal de um indivíduo, de uma cultura, povo ou nação, sendo nomeado como modelo (padrão ideal)”[2]. A palavra sexual tem o seguinte sentido: “que se pode referir ao sexo ou a este pertencer”[3].

             Logo, a expressão “liberdade sexual” tem o sentido denotativo de liberdade, autonomia ou independência de alguém em matéria sexual, liberdade da prática dos atos sexuais, de poder escolher o parceiro da sua vontade, independente de sexo ou de outras condicionantes.

             O feto é, sem dúvida, o resultado de ato sexual, com a junção das células reprodutoras masculina e feminina, originando, dessa união, uma nova célula, denominada de ovo ou zigoto, que sofrerá inúmeras divisões celulares até a formação completa do feto.

             Após a concepção, com a nidação do ovo na parede uterina (em regra), não se pode mais falar em ato sexual, apesar do embrião ser o resultado direto do ato sexual[4] dos seus genitores. Aqui, todos os demais atos do processo gestacional têm autonomia em relação ao ato inicial que gerou a primeira célula do embrião.

             Assim, dentro da lógica básica, não é possível inserir o aborto como um direito decorrente da liberdade sexual da mulher, pois o processo da gestação, apesar de ter tido origem a partir do ato sexual, é um processo diverso, não estando inserido no primeiro. Logo, sustentar isso é ilógico, na melhor das hipóteses, para não dizer insano.

             Há outros argumentos sustentados pelos defensores do aborto como direito, porém parecem ser decorrentes do acima mencionado, razão pela qual me limitei aos supra comentados.

             Não adentro aqui nos aspectos morais e religiosos da questão, apesar desses argumentos serem legítimos, devendo estar presentes para um debate mais amplo. Limitei-me a algumas questões lógicas para demonstrar a quem afirma que sustenta o direito ao aborto indiscriminado por questão “lógica” que não há lógica nessas argumentações, tratando-se mais de defesa ideológica do que lógica, pois, se a lógica for empregada na análise do tema, todos aqueles argumentos supra elencados caem por terra.

             Ademais, voltando ao aspecto jurídico, parece uma contradição dentro do ordenamento jurídico brasileiro (visto aqui como sistema fechado), a solução dada pelo Supremo Tribunal Federal – STF na ADPF 54, que considerou não ser crime o aborto de anencéfalo.

             E por que digo isso? Porque o Código Civil de 2002, no art. 2º, põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro[5]. Em sendo assim, a Constituição Federal resguarda o direito à vida das pessoas e, em uma interpretação sistemática com o art. 2º do CC/2002, o ordenamento jurídico brasileiro protege os direitos do nascituro, apesar de só vir a adquirir personalidade jurídica com o nascimento com vida (CC/02, art. 2º, primeira parte).

             Por questão de segurança jurídica e em obediência ao próprio texto constitucional, que prevê o processo legislativo para a modificação da legislação, não deveria ser possível ao STF, em uma ADPF, considerar como fato atípico o aborto de feto anencefálico quando o art. 128, incisos I e II, do CP, não prevê essa hipótese. Penso que o STF entrou no campo de atribuição exclusiva do Congresso Nacional, sem ter legitimidade para tanto. E esse ativismo judicial traz muitas incertezas ao sistema jurídico, pois os cidadãos ficam sem saber como a Suprema Corte irá julgar os casos difíceis e o pior, legisla como se fosse essa sua função precípua prevista na CF/88.

             Independente dos argumentos favoráveis ao aborto como suposto direito das mulheres, há um fato insuperável. O feto é um ser vivo, e a depender do estágio da gestação, tem o seu sistema nervoso constituído o que lhe dá aptidão para sentir dores.

              A interrupção da gravidez é um crime terrível, pois a vítima (feto) não tem capacidade de se defender. Se a retirada da vida ocorrer contra uma pessoa nascida (homicídio), com requintes de crueldade ou sem possibilidade de defesa do ofendido, o Código Penal brasileiro qualifica esse fato como tipo penal no art. 121, §2º, III e/ou IV. Porém, se esse assassinato ocorrer dentro do útero, os defensores do aborto como liberdade da mulher não consideram esse fato como insidioso ou cruel, como se jogos de palavras fossem suficientes para mudar a realidade, isto é, retirar a qualidade de humano do feto.

             Muitos defendem o aborto de feto humano sem ter encarado a realidade de frente, sem observar o que realmente acontece ao corpo do feto durante o procedimento abortivo. Penso ser importante visualizar um pouco desse procedimento para que a realidade seja conhecida de todos, em especial daquelas pessoas que defendem o aborto como direito irrestrito (como meio de controle populacional ou de controle de natalidade). Assim, procure na internet um vídeo de aborto e assista como realmente ele é. Após, veja se você continua ainda a defender tal prática como controle de natalidade ou liberdade da mulher.

             Espero que esse texto possa servir de ponto de reflexão sobre esse ponto tão grave e que costuma vir à tona na nossa sociedade com certa frequência, na esperança que as pessoas pensem por si próprias e não fiquem apenas a repetir slogans, sem realmente compreender a amplitude do problema.


    [1] Aqui é possível inserir o argumento de autonomia reprodutiva feminina, suposto direito de escolha da mulher.

    [2] DICIO. Dicionário Online de Português. Disponível em: <<https://www.dicio.com.br/liberdade/>>. Acesso em 18 de agosto de 2020.

    [3] Ibidem. Disponível em: << https://www.dicio.com.br/sexual/>>. Acesso em 18 de agosto de 2020.

    [4] Refiro-me ao meio de concepção natural através do sexo, e não sobre a possibilidade de reprodução artificial (assexuada).

    [5] De acordo com o dicionário Aulete Digital, nascituro é “Diz-se do ser humano já concebido, com nascimento dado como certo, sm”. Disponível em: << http://www.aulete.com.br/nascituro>>. Acesso em 18 de agosto de 2020.

    Artigo publicado inicialmente no site Guedes & Braga.

    Para ler os artigos científicos de autoria do autor do site, clique aqui.

  • Democracia e Fake News

    Democracia e Fake News

    Democracia e Fake News

    Fake news
    Democracia e fake news

    A cada ano a democracia é exaltada e defendida nos discursos de políticos, de ativistas de direitos humanos, da imprensa e de outros setores da sociedade. Parece que ninguém discorda do valor intrínseco da palavra democracia e esta é utilizada como bandeira em vários discursos verbais ou escritos.

                E de alguns anos para cá os ditos especialistas em democracia têm afirmado que as fakes news são instrumento de ataque à honra de pessoas, em especial de pessoa públicas, às instituições, e que, em nome da democracia, é necessário o combate a essas desinformações.

                E o combate às fakes news é uma estratégia legítima em defesa da democracia? Ou é um estratagema insidioso para eliminar o direito de expressão em nome da defesa da democracia?

                A democracia, ou o termo democracia, é utilizado como um jargão propagandístico para a venda de ideias nada democráticas, a exemplo do combate às fakes news, que na verdade é o ataque às opiniões diferentes daquela tutelada por grupos de poder ou por quem detém poder político-econômico.

                A Constituição Federal de 1988 garante a liberdade de expressão no art. 5º, IV, da seguinte forma:

    IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

                A manifestação do pensamento é livre, desde que o autor seja identificado, pois o texto constitucional veda o anonimato. Qualquer lei que atente contra essa liberdade de manifestação do pensamento é manifestamente inconstitucional. Toda e qualquer medida tomada por autoridade pública que infrinja o direito contido no art. 5º, inciso IV, da CF/88, é ilegal e inconstitucional.

                Mais adiante, a mesma Carta Magna garante, no art. 5º, inciso IX a liberdade da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou de licença.

                O Congresso Nacional, através de uma Comissão Parlamentar Mista, instaurou, em defesa da democracia, investigação para apurar a disseminação das fakes news.

                A Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI das Fakes News tem como finalidade:

    Investigar, no prazo de 180 dias, os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público; a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições 2018; a prática de cyberbullying sobre os usuários mais vulneráveis da rede de computadores, bem como sobre agentes públicos; e o aliciamento e orientação de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio.

                A finalidade parece ser nobre, quem não é contra ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público? A grande maioria da população é. Porém, disfarçado de combate às fakes news, conforme já mencionei, pode estar um movimento de supressão da liberdade de manifestação de pensamento, que é um dos direitos fundamentais.

                O Supremo Tribunal Federal – STF também entrou no movimento e, em nome do combate às fakes news, instaurou o inquérito nº 4781, que tramita de forma sigilosa, cujo “objeto é a investigação de notícias fraudulentas, denunciações caluniosas, ameaças ao STF e a seus membros” (STF, 2020). Apesar de sigiloso, o site do STF publicou, em 27/08/2020, a decisão de busca e apreensão nos domicílios dos investigados. Clique aqui para ter acesso à referida decisão.

                A Câmara dos Deputados recebeu, no dia 1º de abril de 2020 (também conhecido no Brasil como o dia da mentira), a Proposta de Lei nº 1429/2020, apresentada pela Deputada Federal Tabata Amaral (PDT/SP) e pelo Deputado Federal Felipe Rigoni (PSB/ES), para a instituição da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Intenet. Nesse projeto, procura-se responsabilizar os provedores de aplicação pela ausência de adoção de medidas proativas para “proteger seus serviços contra a disseminação de desinformação através de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas”, consoante o disposto no art. 8º do mencionado projeto de lei.

                No art. 11, o referido projeto de lei prevê que quando um determinado conteúdo com alcance significativo for verificado/checado por verificadores de fatos independentes e for “considerado desinformação, os provedores de aplicação devem implementar medidas proativas para minimizar a disseminação do conteúdo” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020).

                Em uma democracia, em nome da sua defesa, querem outorgar legitimidade e poder a verificadores de fatos independentes para dizer o que é informação ou desinformação e, com isso, os provedores serão obrigados a retirar o alcance dessa publicação rotulada como fake news pelos censores da atualidade, os famigerados verificadores de informação. Isso é um completo contrassenso.

                Nessa lei, além das redes sociais como Facebook, Instagram, estão inseridos os serviços de mensagens instantâneas, a exemplo de WhatsApp e Telegram, conforme redação da Seção IV do malfadado projeto de lei.

                O art. 21 do aludido projeto de lei menciona os requisitos que a pessoa jurídica precisa ter para ser considerada verificador de fatos independente, a saber:

    Art. 21. Para ser qualificado como verificador de fatos independentes, a pessoa jurídica deve:

    I – ser independente de governos e de partidos políticos;

    II – comprometer-se com os princípios da imparcialidade, precisão e transparência;

    III – realizar a verificação das informações por pares, com a devida identificação dos avaliadores;

    IV – divulgar em site oficial a identificação do pessoal contratados e responsável pela verificação;

    V – adotar as melhores práticas internacionais de verificação de fatos;

    VI – ser transparente sobre suas fontes de financiamento, devendo esses financiadores se absterem de influenciar as conclusões emitidas;

    VII – cumprir integralmente o disposto no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros;

    VIII – emitir relatórios públicos trimestrais com dados qualitativos e quantitativos sobre a desinformação, incluindo o número de revisões realizadas, o conteúdo verificado com as devidas decisões, a quantidade de correções emitidas e o banco de dados de que trata o art. 17; e

    IX – permitir auditorias públicas e anuais, bem como estudos de acadêmicos que objetivem verificar o cumprimento dos verificadores de fatos sobre as disposições desta Lei.

                Na justificativa do projeto, os autores afirmam que “a desinformação não é uma ameaça nova à democracia, no entanto, com o poder das novas tecnologias, as redes de desinformação têm evoluído rapidamente ao redor do mundo”, e mais adiante, com espírito “protetor” do cidadão, afirmam que

    mais de 60% da população brasileira está ativamente usando plataformas inundadas com redes de desinformação, sem qualquer preocupação com o seu impacto nas nossas vidas reais e na nossa sociedade (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020).

                Em nenhum momento do projeto de lei se utiliza o termo fake news, preferindo o uso da palavra desinformação. E o que é desinformação?

                De acordo com o art. 4º, inciso III, do PL nº 1429/2020, considera-se:

    III – desinformação: conteúdo falso ou enganoso que foi propositadamente colocado fora de contexto, manipulado ou completamente forjado com o interesse de enganar público e que:

    I. Seja disseminado para obter ganhos econômicos; ou

    b) Possa causar danos públicos, como fraudes eleitorais, o risco à estabilidade democrática, ao funcionamento de serviços públicos, à integridade física e moral de pessoas e grupos identificáveis por sua raça, gênero, orientação sexual ou visão ideológica ou consequências negativas à saúde individual ou coletiva.

                Verifica-se, pelo conceito legal de desinformação, uma ausência de clareza, isto é, o conceito é extremamente vago e isso gerará enorme insegurança jurídica, pois o conceito será preenchido caso a caso pelo aplicador da lei, o que é extremamente perigoso para o cidadão e para a mídia não tradicional, que ganhou espaço entre as pessoas por divulgar fatos e informações não divulgadas pelos grandes meios de comunicação.

                Na minha opinião, para o bem da democracia e para assegurar os processos democráticos supostamente defendidos pelo PL 1429/2020, o melhor caminho é rejeitar essa legislação logo na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados por inconstitucionalidade, pois se transformada em lei será um instrumento de censura e de perseguição a opiniões contrárias ao definido como “consenso da maioria”, o que é desfavorável a qualquer ideia legítima de democracia, pois esta deve permitir a coexistência de opiniões diversas, pois somente com a contraposição de opiniões e de ideias é que a sociedade pode estabelecer o que é melhor para ela.

                Em 2019, em um evento sobre liberdade de expressão, participação e justiça social, patrocinado pelo IMED, com a coordenação do professor doutor Neuro Zambam, defendi a tese de que para assegurar a liberdade de expressão, que é um dos principais direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal brasileira, não é necessária a publicação de leis que procurem assegurar tal direito, ou que, em nome do combate às fakes news, estabeleça critérios infralegais, bastando para tal proteção o texto constitucional e, quem se sentir prejudicado com a publicação de eventual desinformação, promova a respectiva ação judicial. Eis o trecho da hipótese defendida:

    […] para assegurar a liberdade de expressão, o assento constitucional de tal direito é medida suficiente, não devendo haver regulação do exercício desse direito em norma infraconstitucional, pois criar critérios em leis, ou em outros diplomas normativos, gera um risco demasiado de cerceamento da liberdade de expressão. Ou seja, a melhor regulação é a ausência de regulação infraconstitucional. (GUEDES; SOBREIRA FILHO, 2019, p. 219).

                Bom chamar a atenção que, nos últimos anos, quem mais atenta contra a liberdade de manifestação do pensamento é o poder público, quer pela atividade do Poder Legislativo (CPI e apresentação de projetos de lei), quer pelo Poder Judiciário (Supremo Tribunal Federal), através do inquérito nº 4781, conforme acima apresentado.

                            Resta a nós cidadãos, enquanto não cassam o nosso direito de expressão, nos manifestarmos contra toda e qualquer medida estatal que atente contra o direito fundamental à livre manifestação do pensamento. Por isso, é importante que você pressione os parlamentares federais para não aprovarem o PL 1429/2020, bem como que os investigados no inquérito judicial nº 4781 apresentem as suas defesas e exponham/publiquem o que está acontecendo.

    Referências:

    CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 1429/2020. Disponível em: <<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2242713>>. Acesso em: 27 de maio de 2020.

    LUZ NETO, Luiz Guedes; SOBREIRA FILHO, Enoque Feitosa. O desafio da liberdade de expressão em um mundo conectado: democracia digital sob o prisma da teoria do desenvolvimento de Amartya Sen. In: Neuro José Zambam; Henrique Aniceto Kujawa. (Org.). Estudos sobre Amartya Sen, Volume 6: liberdade de expressão, participação e justiça social. 1ed.Porto Alegre: Editora Fi, 2019, v. 6, p. 206-220.

    STF. Inquérito nº 4781. Disponível em: <<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5651823>> . Acesso em: 27 de maio de 2020.

    Artigo publicado originalmente no site Guedes & Braga.

    Para ler os artigos científicos do autor do site, clique aqui.

  • O Índice Proibido (Index Prohibitorum) dos Algoritmos

    O Índice Proibido (Index Prohibitorum) dos Algoritmos

    O Índice Proibido (Index Prohibitorum [1]) dos Algoritmos

    Índice Proibido
    Índice Proibido

    As constituições das nações ocidentais contêm garantias para o exercício da liberdade de expressão de pensamento. A inserção dessa garantia na carta magna é resultado da opção política do poder constituinte originário, que optou por assegurar essa liberdade aos seus cidadãos.

                Assim sendo, a liberdade de expressão está formalmente garantida no texto constitucional, devendo todos respeitar esse direito, não só o estado, mas também as pessoas físicas e jurídicas.

                Não obstante a garantia constitucional ao direito à liberdade de expressão, será que somos realmente livres para exercê-lo?

                Muitos dirão que sim, principalmente com a popularização da internet, que permitiu o acesso de milhões de pessoas ao espaço cibernético, que eliminou as barreiras físicas entre as pessoas. Hoje, para divulgar as suas ideias, basta criar um site ou fazer um canal, ou perfil, em alguma rede social. Não é essa a ideia?

                Mas será que as suas ideias se propagam livremente através da internet, com potencialidade real de alcançar milhões de pessoas?

                Tudo indica que não. E por que não? Porque quem controla as ferramentas de busca, as redes sociais etc., filtram os termos que podem e os que não podem ser divulgados, de acordo com os interesses de cada plataforma digital (ou dos interesses subjacentes).

                Isto é, as empresas proprietárias dessas plataformas digitais, por interesse próprio e/ou a serviço de algum grupo de interesse, selecionam previamente os termos que podem ser divulgados e sancionam os usuários que infringem essa política. Essa prática tem um nome: censura. Quem achava que a censura era uma prática erradicada do ambiente público, estava completamente enganado.

                Atualmente, a maior arena pública de debate é o meio digital. As publicações realizadas na internet, quer em páginas próprias (websites), quer nas plataformas das redes sociais, têm a possibilidade de alcançar pessoas em qualquer lugar do mundo. Porém, pela censura imposta pelos buscadores e redes sociais, muitos temas sofrem limitação no alcance, em total afronta à liberdade fundamental de expressão, contrariando, desta forma, as garantias previstas em diversos ordenamentos jurídicos ocidentais.

                A quem interessa essa censura? Por que os parlamentos nacionais não estão tomando medidas eficazes para promover a liberdade de expressão na internet? Que medidas podem ser tomadas para garantir a democracia no espaço cibernético?

                Essas e várias outras questões relacionadas ao tema precisam ser enfrentadas pela sociedade civil para se buscar um ambiente na internet que permita a livre circulação de ideias e que garanta a livre manifestação de pensamento das pessoas, sem censura, quer prévia ou a posteriori.

                Se isso não for enfrentado logo, a internet transformar-se-á em uma grande China, país no qual o estado controla[2] o conteúdo que pode ser publicado na rede mundial de computadores, eliminando, destarte, a liberdade dos seus cidadãos. Em se replicando esse modelo para o resto do mundo, a previsão de George Orwell, feita no livro 1984, será confirmada e sequer a ideia (não exteriorizada) de liberdade será permitida.


    [1] Referência livre (sem considerar as normas do latim) ao Index Librorum Prohibitorum, que foi uma lista dos livros cuja leitura era proibida pela Igreja Católica. A primeira versão do index foi publicada em 1559, pelo Papa Paulo IV. O index foi abolido pelo Papa Paulo VI, em 1966.

    [2] O controle pode ser feito pelo estado ou por outro ente, podendo esse ente ser privado.

    Publicado originalmente no site Guedes & Braga.

    Para ler sobre a regulamentação da internet na Europa, clique aqui.

    Para ver os artigos científicos publicados pelo autor deste site, clique aqui.